Versos do adolescer


Romântica por natureza, sonhava cicatrizar suas feridas nos braços de outros amores

 

O vento canta baixinho ao passear pelas folhagens do jardim bem defronte à sua janela. Em cada folha brilha o reflexo de uma lua intensa que, temerosa, ainda esconde-se atrás dos ciprestes num horizonte que se alonga na noite das lembranças.

 

 

 

O frio da noite obriga-a a aconchegar-se para perto do fogo que, impetuosamente, estende suas labaredas para o alto a iluminar as paredes e a sua alma.

 

 

 

 

Enleva-se ao ouvir o plangente som de um piano. De Chopin, o estudo número três, o doloroso “Tristesse”.  Porque ouvi-lo sempre a levou à nostalgia.

 

 

 

Vasculha nas gavetas e encontra suas lamúrias de adolescente a chorar a saudade de um amor que jamais passara por sua vida. E nem por sua alma. Sorriu. Sozinha, sorriu. Tentou voltar, em pensamento, para a velha ponte. Que era tão somente um pontilhão sobre um regato. Lembra-se de suas tristes tardes de domingo a sós. Mas naqueles dias ela não tinha noção de que poderia sentir saudades de vidas passadas. Apenas tinha saudades de um amor que nunca vira. Que nunca sentira. Tinha saudades de um tempo que ela não conseguia situar em seus neurônios. Ela apenas se lembra que chorava sozinha e que a dor em seu peito era real.

 

 

 

 

Sentada, ali, naquele pontilhão rabiscava trovas de amor, pequenos versos cheios de saudade do inexplicável, do não vivido, de um amor que, pensava ela, existia apenas em sua imaginação.

 

 

 

A vida levou-a a palmilhar tantos caminhos. Levou-a ao encontro de tantos amores. Levou-a a tantos desencontros. Chorava depois ao ver seus pedaços espalhados pelas encostas. Por tantas aventuras jogadas a esmo pelos precipícios de onde sangrante e arranhada emergia.

 

 

 

 

Romântica por natureza, sonhava cicatrizar suas feridas nos braços de outros amores. Sentia-se como um passarinho a pousar de galho, em busca do melhor abrigo, da melhor sombra. Ou como um barco à deriva, perdido em longínquas águas mar adentro, numa eterna busca por uma tábua de salvação.

 

 

 

 

Foi depois de muitas andanças, de muitas caminhadas solitárias, depois de estar com o corpo lanhado, que ela encontrou o Amor. Não o reconheceu, no entanto. Por anos ele foi, tão somente, a mão amiga a seu lado. Por infindos dias era a palavra de apoio a consolá-la nas tristes noites de seu viver só.

 

 

 

 

Num dia de sol esplendente — porque esplendentes sempre são estes dias—ela descobriu que era o Amor quem lhe estendia esta mão amiga, Que era o Amor quem lhe falava estas palavras de apoio.

 

 

 

 

Timidamente mostrou-lhe aqueles toscos versos que, na adolescência ainda, solitária, rabiscava nas tardes de domingo, sentada num velho pontilhão sobre um regato de águas cantantes.

 

 

 

 

O Amor leu os versos e nos olhos dela fixou seu olhar. Um brilhante olhar como se uma lágrima estivesse retendo. Num repente sua respiração tronou-se mais rápida e ela percebeu que quase um vulcão ali estava a explodir. Baixinho, quase a sussurrar, sutilmente, falou que os achou carregados de poesia.

 

 

 

 

Foi então que na expressão do Amor ela percebeu um laivo de ciúme.

 

 

 

—Eu não amava ninguém — tentou explicar ao Amor — era um sentir doído, uma saudade inexplicável de algo que nunca tinha sido.

 

 

 

 

O Amor não entendeu como uma pessoa poderia ter saudade de um alguém que nunca existira. A esse tempo ela já sabia. Que aquela dor que sentia era a dor de não estar ao lado de um Amor com quem vivera outras vidas. Uma voz, lá no fundo de seu eu, dizia-lhe que este amor era o Amor há tanto procurado. O Amor com quem palmilhara tempos de doçura em algum lugar do passado.

 

 

 

 

O tempo de viver nos braços do Amor foi um tempo roubado entre tantas coisas que a envolviam. Foi um curto tempo. Porque um dia o Amor foi embora. Não, este amor não teve o brusco final de tantos amores vividos por ela. Porque ele partiu para viver em outra dimensão.

 

 

 

 

Hoje, ao rever aquelas amarelecidas folhas de um velho caderno, ela sorri. E até ousa mostrá-los por aí. Porque sabe que seus versos eram toscos mas que falavam da saudade de um Amor infinito.

 

 

 

 

 

 

Não houvesse sofrimento

não haveria poesia

pois os versos são mais belos

se não falam de alegria.

 

 

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Se a dor que em meu peito mora

se expandisse pelo além

queria morrer agora

pois que graça a vida tem

se todo o amor vai embora.

 

 

 

 

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Desde que “Tristesse” ouvimos

nossos corações se uniram

porem tudo foi um sonho

meus olhos não mais te viram.

 

 

 

 

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Saudades, saudades imensas

invadem o meu coração

e dores profundas e intensas

sufoco ao ouvir esta canção.

Ela diz tanto pra mim

e minha alma qual num jardim

a flor que a pouquinho murchou

soluça e baixinho chora

pois não devemos mostrar

a dor que lá dentro mora

para o mundo nos penar.

 

 

 

 

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Agora que o dia finda

minha alma fica mais triste

mas quanta tristeza ainda

neste mundo não existe?

 

 

 

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Versos, palavras inúteis

para quem vê e não sente

só vendo coisinhas fúteis

no fundo de nossa mente.

 

 

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Sentada aqui nesta ponte

borbulhante regato eu vejo

a sós fico a meditar

no amor que está tão distante

e que não quer mais voltar.

 





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