Uma epopeia


Colunista Adaír Dittrich relata a viagem de sua nona de Curitiba para Marcílio Dias, em Canoinhas

Era uma linda mulher. Cabelos loiros. Olhos azuis e olhar penetrante. Acordava na madrugada aos primeiros silvos das locomotivas que começavam a movimentar-se na estação de trem que ficava do outro lado da rua em que vivia naquela Curitiba de final de século XIX e princípios de século XX.

O pão quentinho e o café deveriam estar prontos logo que os comboios saíssem para o mar ou para o norte. Ferroviários, dentro em pouco, após terem encaminhado todas as composições de vagões, viriam fazer a sua refeição primeira.

Depois o continuar com as massas e os assados para o almoço e o jantar. A freguesia, acostumada com as delícias da cozinha italiana que Dona Thereza Gobbi servia em seu “Ristorante”, só aumentava.

Junto o Empório que o marido Pedro cuidava. Mas as penduradas contas da freguesia aumentavam também e as contas a pagar aos fornecedores também aumentavam e não poderiam ser penduradas. Deveriam ser pagas em dia. Até que as finanças estouraram.

Não sei qual era a estação do ano e nem em que ano foi.  Mas sei que foi depois da passagem do Cometa Haley pela terra. A filha adolescente ia para a janela nas madrugadas curitibanas, muito antes dos primeiros apitos das locomotivas, para vê-lo, em toda a sua grandeza, iluminando a terra. E em um belo dia do inicio do século passado embarcaram num vagão-cozinha que fazia parte do comboio carregado de operários e engenheiros encarregados da construção da Estrada de Ferro que depois se estendeu até Porto União da Vitória.

Pelo esmero, cuidados e conhecimento de uma excelente culinária a família foi convidada a participar da aventura de se adentrar mato adentro em sentido sul.

Aceitaram o convite que era o de cozinhar para a equipe da construção, já que as coisas por lá não andavam bem. E acompanharam a epopeia da colocação dos trilhos e dos dormentes e o levantamento das primeiras estações de trem desde Curitiba até aqui.

Quando o Cavalo de Ferro chegou ao local onde foi erguida a Estação Ferroviária de Canoinhas, hoje Marcílio Dias, Dona Thereza foi convidada para assumir o futuro restaurante.

Primeiramente construíram um hotel que ficava na parte alta do barranco, atrás da estação: Hotel Gobbi (foto). E, na hora em que o trem chegava, ela atendia num quiosque que havia entre a estação e o armazém. Lá começou a fazer o seu nome na região com o excelente pastel que cativaria as gerações futuras.

Início árduo. Trabalho pesado e intenso. Tudo vinha, de trem, de Curitiba ou de mais longe ainda. De São Paulo também. A necessidade de um pão fresquinho, de um bolo ao gosto italiano, feito ali, com as próprias mãos, os obrigou a construir seu próprio forno levantado com pedras e barro.

Vivenciaram muita coisa da Guerra do Contestado.

Contava Dona Thereza como era triste ver as mulheres viajando nos trens, quase desnudas, roupas em frangalhos, vestes rotas. E então, com os lençóis do seu Hotel Gobbi, ajudada pela filha Nena, montou peças de vestuário que cobrissem os nus e as vergonhas femininas em uma época em que de mulher não se permitia ver nem o tornozelo.

A construção do Restaurante ao lado da estação é outra história. Falarei desta etapa em uma outra etapa. Por hoje eu deixo a foto do Hotel Gobbi.

 





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