São tantas, e tão profundamente enraizadas na alma, as lembranças dos mais ternos Natais passados com minha família. Foram muitas as noites felizes de Natal em que, juntos, cantamos “Noite Feliz”.
Natais da infância, natais do adolescer. Natais do agora. Mas, existe um Natal que ficou indelével, gravado a fogo, escrito com diamante no compacto e duro vidro da memória. Foi um Natal que, mesmo quando apenas poucos neurônios sobrarem em meu cérebro, mesmo quando apenas gastos neurônios sobrarem em meu cérebro será ele a única lembrança viva de quantos natais eu tenha vivido.
Não importa o ano. Não me lembro se era um dia de verão com muito sol ou se era nevoento, se era intenso o calor ou se fazia frio. Lembro-me do clima e da atmosfera em minha casa e de tudo o que o envolveu. Era Natal. Era véspera de Natal. Era o nosso Dia Mágico.
E já no raiar do dia os meus irmãos e sobrinhos mais velhos saiam rumo à floresta para buscar aquele Pinheirinho de Natal que já há dias havia sido escolhido e marcado. Chegavam com ele às costas, cansados, sorridentes e cantando Noite Feliz.
Colocavam-no dentro de um imenso latão arredondado, firmando-o com terra úmida e bem socada na tentativa de deixá-lo ereto e soberbo na vertical, sem risco de tombar. Era sempre uma árvore muito alta, bem copada e com os galhos inferiores imensos e largos formando uma verde saia arredondada.
Devido à sua altura, necessário também era fixá-lo com quase invisíveis fios de náilon que ficavam presos em pequenos ganchos nas paredes laterais. A copa quase chegava ao teto da casa. A bela árvore ali, frondosa e altaneira, com mais de quatro metros de altura que era a medida do assoalho ao teto.
E então os enfeites começavam a ser colocados. Bolas coloridas e brilhantes de vários tamanhos. Eram esmeraldas e rubis, topázios e safiras, ouro e prata em meio à neve do branco algodão desfiado e esparramado em flocos, que, de galho em galho escorria da copa ao chão. Luzes coloridas o contornavam, emanadas de pequenas lâmpadas de intermitente piscar. Atapetando-o, a verde-musgo-cinza barba-de-velho colhida das árvores da mata vizinha.
E ao lado, na lareira, o presépio. O presépio amado e armado por minha mãe. Um presépio completo, que, além de José, da Virgem e do Menino, tinha ainda as brancas ovelhinhas, os pastores, a vaca e o burrico, a estrela-guia e o Anjo de luz e bem mais ao fundo, bem longe ainda, a caminho, os três Reis Magos. O Presépio amado de minha mãe que, embevecida, ficava a olhá-lo com olhos carregados de lágrimas emocionadas.
Enquanto alguns decoravam a árvore, minha mãe e minha irmã ficavam na azáfama da culinária preparando as deliciosas iguarias da ceia de Natal.
Tudo naquele dia deslizando maravilhosamente. Parecia que os anjos estavam todos cuidando para que nenhuma emergência aparecesse no Hospital e eu ia me deixando estar em casa, ouvindo as clássicas melodias natalinas, arrumando os presentes, olhando os detalhes…
… a noite chegando… mesa posta para a ceia… a base do pinheirinho de natal repleta já de pacotes e caixas de múltiplas cores e formatos…o aroma da comida invadindo a casa…
… e o telefone toca ao escurecer da Noite de Natal…
… chegara ao Hospital, de uma cidade não tão vizinha nossa,… uma emergência…
E lá fui eu anestesiar uma paciente em estado gravíssimo que precisava de uma cirurgia. Na sala de cirurgia já se encontrava o amigo médico Antoninho Seleme. E logo chegaria o Dr. Oswaldo Segundo de Oliveira para completar a equipe.
E as horas passando. O caso era gravíssimo. Necessidade de transfusão de sangue. De plasma. De medicação emergencial para tirar a paciente do choque que já era de dupla causa. E uma cirurgia melindrosa, difícil.
Enfim tudo acabara. Paciente estável. Fomos todos para o aconchego natalino junto às nossas famílias.
O relógio da Matriz com seus ponteiros quase juntos, como se estivesse fazendo uma prece pela chegada do Menino Jesus e pronto para sonar as doze badaladas da Meia Noite.
Fiz em poucos minutos o caminho, em estrada de chão batido, que me levava do Hospital à minha vila. Encontro tudo em quietude total. A casa às escuras. Acesas apenas, e piscando, as pequenas luzes coloridas da varanda e das árvores do jardim.
Entro em silêncio que era para não acordar quem descansava e não assustar os pequenos que dormiam. Entro pela área de serviço onde já vou deixando a contaminada roupa, pego uma toalha limpa e vou para debaixo do chuveiro a fim de um banho de corpo inteiro, um banho que lavasse também minha alma triste por haver perdido a Festa da Noite de Natal.
Enrolada na toalha, pé-ante-pé, passo pela cozinha e percebo as panelas, no fogão, intocadas, as formas com os assados, no forno, ainda inteiros. Vou até a sala para procurar meu presente. E encontro o pinheirinho com suas faiscantes luzes acesas e sob ele todos os presentes, não só o meu, e a mesa para a ceia ainda arrumada como eu a deixara.
E, de repente, como num passe de mágica, as luzes da casa toda se acendem e de todas as partes surgem todos, minha mãe, meus irmãos, os sobrinhos com seus filhos pequenos, todos sorrindo e cantando Noite feliz e só ouço então a voz de minha mãe: “Suba rápido e se arrume depressa que estão todos com fome e ansiosos para abrir os presentes de Natal”.
Meus olhos ainda ficam encharcados de lágrimas ao me lembrar daquela Noite de Natal.
Emoção que me invade a alma ao me lembrar de minha família, que, pacientemente, esperou eu retornar para casa, naquela santa noite, para, só então, abrir os presentes e participar da ceia e das comemorações de um mágico Natal!