Um jornal chamado “O Peru”


O Peru 004 O Peru 005 O Peru 006Um único exemplar eu encontrei entre os guardados que minha mãe cultivava com imenso carinho.

Um exemplar mais que amarelecido pelo tempo, quase já em tons terrosos as suas quatro únicas pequenas páginas. Um exemplar de um jornal que fora um mito em sua época.

Muito sobre ele eu ouvira falar em meu tempo de criança. Pois era uma joia de família. Era o jornal do filho de minha Nonna Thereza e de meu Nonno Pedro Gobbi. Era o jornal do único irmão de minha mãe. Era o jornal do tio que eu não conheci, o tio Pedrinho. Era o jornal de Pedro Gobbi Filho.

Era um “Semanário Crítico, Humorístico, Literário e Politiqueiro”, como se definia, em seu cabeçalho, logo abaixo do nome: – “O  PERU”.

E, nas pequenas quatro páginas de apenas trinta e dois centímetros de altura por vinte e dois centímetros de largura, os jovens sonhadores e gozadores que em nossa terra viviam ainda na primeira metade do século passado, inseriam, com espiritualidade jocosa, fatos, notícias e comentários sutis.

Irreverentes, cutucavam com vara curta os próprios amigos, as coisas de que não gostavam, os não-amigos e os políticos, em geral, o alvo principal e predileto de todas aquelas pequenas páginas.

Jucundino Pereira era o companheiro de Pedrinho Gobbi na direção do que chamavam de hebdomadário e redatores eram vários e diversos, entre eles Osny Duarte Pereira e Ewaldo Carneiro de Paula.

A impressão era feita aqui mesmo, nas terras de Ouro Verde, na “Tipografia Cruzeiro”, de Pedro Torrens.

“O Peru” foi fundado em vinte e quatro de janeiro de um mil e novecentos e trinta e um e nunca soube até quando circulou. Não sei se sobreviveu à prematura morte de meu tio Pedrinho, aos vinte e oito anos de idade.

Impregnado em suas páginas está o humor de uma época. Há jocosidade até na publicidade de um analgésico.

Interessante a nota sobre a visita que Batista Luzardo fez à nossa terra. Luzardo foi um político de muita relevância em seu tempo. Amigo e correligionário de Getúlio Vargas, esteve por estas bandas naqueles conturbados dias pós-revolução de um mil e novecentos e trinta.

E o politiqueiro “O Peru” narra jocosamente a chegada de tão ilustre pessoa ao nosso território.

Todo mundo que viesse para cá, viria obrigatoriamente por via férrea. E, diferente não seria com os importantes da pátria.

E a chegada triunfal de Luzardo, segundo nos conta “O Peru” em sua edição de número nove, ano primeiro, foi “na gare Ouro Verde, relíquia da República Velha, onde uma multidão se comprimia”.

E a seguir começa a citar trechos das falas e discursos de representantes de imaginárias associações que “O Peru” conseguiu captar com a argúcia de seus humoristas-redatores.

E fizeram-se ouvir, então, as inflamadas manifestações oratórias de um secretário da Associação dos Carniceiros Locais. Outro orador que se seguiu foi o presidente da Liga dos Sapateiros. E, como o presidente da Confederação Municipal dos Barbeiros, senhor Dr. Gervazio Barcellos não pode se fazer presente à solene recepção pois, impedido estava, por estar, na mesma hora, fazendo uma Conferência sobre o Corte de Cabelo na sede de sua Associação, falou em seu lugar o seu vice que se apresentou todo garboso.

Depois “a voz tonitruante do Dr. José Prochmann, engenheiro-arquiteto de roupas, reboou no espaço, como a do verdadeiro representante da Liga dos Alfaiates”.

E ainda presentes os representantes da Academia de Medicina e Siderurgia Secreta da Polícia Catarinense e o presidente da Associação Clandestina dos Farmacêuticos Práticos.

E o último a falar foi o que se proclamou como “representante do Prefeito, do Povo Canoinhano, da Academia de Direito e da Sociedade do Sessenta e Seis.”

Só que cada orador e ou representante das citadas entidades era alguém da sociedade de então e ligadas às próprias artes e aos próprios ofícios que os humoristas-redatores nomeavam.

E havia também a parte dedicada à sétima arte, em sua coluna intitulada “Cinematographia”.

No Cine Castelains rodava “Papás de Broadway” e mais a comédia “Gente de Azar”.

E no “Theatro 15 de Novembro”, na sessão de matinê, “Fome de Ouro”, com Rin-Tin-Tin. E na sessão noturna, “Missão de Vingança” com Ken Maynard, em sete partes e mais a comédia “Entrada Franca”. E, anunciava ainda, para um próximo dia, “Receita de Amor”, com Clara Bow e Richard Dix.

Assim era aquele pequeno jornal que tinha meu tio Pedrinho Gobbi como seu diretor.

Se ele vivo estivesse, e dirigindo um jornal, quando iniciei meus estudos, será que eu teria optado pela Medicina?





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