Um amor impossível na cidade azul (3)


Nicolas Wasem

Apesar de estar com o coração sangrante ela tentara colocar um ponto final

 

Mesmo na distância o amor não arrefeceu. Mesmo na distância os amantes não conseguiram ficar por longo tempo sem se ver. Diógenes surgia, subitamente, em muitos finais de semana, à procura dela na longínqua cidade praiana.

 

 

 

Desvencilhavam-se de tudo o que os sobrecarregasse e passavam dias e noites de enlevo, a divagar pela fulgurante pauliceia. Puderam, por fim, assistir juntos, de mãos dadas, a belos espetáculos teatrais, a frequentar, incólumes, e como ilustres desconhecidos, inúmeros barzinhos, cafés e restaurantes.

 

 

 

Era o tempo em que o Restaurante Fasano localizava-se na Avenida Paulista. Com mesas entremeadas entre flores no exuberante jardim de inverno. Era o tempo em que a casa apresentava famosos espetáculos com cantores e orquestras de renome. Até internacionais.

 

 

 

Em uma das noites de sábado em que lá estiveram, deliciaram-se a ver e a ouvir uma dupla que fazia muito sucesso, principalmente, entre a juventude. Um rock em estilo romântico era o rock dos irmãos Celly e Tony Campello. Beatriz e Diógenes passaram uma noite adorável em meio às inigualáveis iguarias italianas, a alegria que fazia sorrir até o velho e sisudo maître, o vinho especial e o espumante que acompanhava o inigualável Tiramisu.

 

 

 

 

Deixaram-se lá ficar, enlevados em seu amor, dançando o rock do momento. Diógenes não aderira muito a este ritmo, mas cedia à alegria de Beatriz. Fizeram até par com o os irmãos cantores. Era um Fasano especial aquele Fasano da Paulista.

 

 

 

Na manhã de domingo ela o acompanhou ao aeroporto, em Congonhas. Lá mesmo tomou, a sós, o ônibus que a levou ao retorno de sua solidão. Enquanto o veículo descia a serra do mar, Beatriz recordava os tempos de seus encontros na cidade azul.

 

 

 

Lembrava-se do dia em que ele lhe entregou uma chave. A chave de um local onde ele queria que ela passasse a morar. Uma revolução perpassara por todo o seu eu.

 

 

 

 

—Como? Não estou entendendo…

 

 

—Uma surpresa, meu amor. Aluguei um pequeno apartamento mobiliado para você morar. Assim poderemos nos ver com mais frequência, sem que mil olhos nos contemplem…

 

 

 

 

—Você quer dizer que agora ficarei presa em uma gaiola de ouro, sem grades? Não, nunca! Continuarei morando no quarto onde moro com minha colega.

 

 

 

Ele não conseguia acreditar. Achava que estava tudo tão certo entre os dois, que ela ficaria feliz em morar em um lar que poderia ser dele também…

 

 

Doutras vezes a intenção era que se encontrassem no escritório de um amigo, aos sábados à tarde. Uma única vez ela lá esteve. Sentiu-se mal quando, ao anoitecer, de lá saíam e ele entregou a chave ao porteiro do prédio.

 

 

 

Com os olhos da mente assim abertos ela havia tomado a decisão de fazer sua pós-graduação na distante cidade praiana.

 

 

 

Chegara dezembro. Seus colegas de turma programaram um jantar para celebrar o primeiro ano de formatura. Seria realizado em um grande hotel, no centro de Curitiba. Onde toda a turma ficaria hospedada também.

 

 

 

Era cedo ainda e Beatriz desceu até o salão, ao lado do bar. Estava, distraidamente, a ler um jornal quando alguém se senta em uma poltrona defronte à dela.

 

 

 

—Oi, doutorinha, lembra-se de mim?

 

 

Levanta os olhos, estupefata, e vê, à sua frente, um amigo que conhecera no ano anterior, quando ainda estava sem saber que rumo tomar depois de formada. Ele era um executivo de uma companhia de terras do norte do estado e acompanhava os diretores em uma vistoria em uma cidade que recém estava sendo aberta em meio aos cafezais do noroeste. De início era um lugar assim que ela procurava para se estabelecer.

 

 

 

Viajara com eles. Hospedaram-se num grande hotel moderno em Maringá. Depois partiram para conhecer a nova cidade, já com seus vermelhos arruamentos definidos e algumas poucas casas espalhadas ao redor. Nada que a incentivasse a, dentro de alguns meses, a ali instalar sua banca de advocacia.

 

 

 

Samuel, o amigo, ciceroneava-a por tudo, enquanto o casal de diretores entretinha-se em negociações. Continuaram até as barrancas do rio Paraná onde a companhia de terras tinha uma espécie de hotel. Uma simples e confortável construção em madeira, com janelas de treliças. Um inimaginável recanto de onde se vislumbrava Ilha Grande, extensa ilha que dominava grande extensão no meio do imenso rio.

 

 

 

Mesmo tendo sido poucos os dias de convívio, os laços de amizade com Samuel enraizaram-se.

 

 

 

Uma ocasião, estava Beatriz com alguns colegas do curso, acompanhando um caso no fórum da capital paulista, quando encontra Samuel. Desvencilhou-se dos colegas e foi com ele tomar um café em uma confeitaria. Depois jantaram e ela ainda conseguira pegar um dos últimos ônibus a fim de retornar para casa na baixada santista.

 

 

 

E era bem o Samuel que estava agora, ali à sua frente, olhando-a, embevecidamente.

 

 

—Como estás linda, Beatriz! Charmosa! Exuberante! Renascida! Vamos ali, no bar ao lado, comemorar nosso reencontro.

 

 

 

Beatriz não tinha porque dizer não. Não tinha compromissos com ninguém. Tinha certeza de que Diógenes havia entendido, da última vez em que haviam se encontrado em São Paulo, de que aquele amor impossível era um amor impossível mesmo. Apesar de estar com o coração sangrante ela tentara colocar um ponto final.

 

 

 

Feliz conversava com Samuel. Contava de seus estudos. De seus planos. Ele já queria que ela fosse trabalhar no setor jurídico da empresa em que agora ele já era um dos diretores.

 

 

 

Samuel, talvez por conta das melodias que envolviam o ambiente, talvez por conta do uísque que vinha sorvendo, aos goles, tomou as mãos dela entre a suas e foi falando aos borbotões:

 

 

 

—Beatriz, olha bem para mim e ouve o que está aqui dentro de mim desde há muito. Eu te amo desde o momento em que te vi a descer as escadas do avião, ainda lá em Maringá. Lembras? Eu não te deixei mais sozinha um só instante. Depois o encontro em São Paulo… Quando eu soube, por um amigo, desta comemoração de tua turma, hoje, aqui, arrumei um motivo para vir voando a Curitiba e, finalmente, te encontrar.

 

 

 

Beatriz estava emudecida. Jamais imaginara envolver-se com Samuel. Considerava-o um amigo muito especial. E nada mais. E mesmo o seu coração não se esvaziara do amor que sentia por Diógenes. Ouvia, sem saber o que os seus olhos diziam, as palavras todas do amigo à sua frente.

 

 

 

Neste envolvimento quase não percebeu que alguém a olhava. Que alguém a seu lado, em pé, subitamente, aparece. Estremeceu ao ouvir a conhecida e amada voz rente aos seus ouvidos:

 

 

 

—Não vai me apresentar ao seu amigo?

 

 

Apresentou-os.

 

 

 

—Vejo que o barzinho está lotado. Permitam que eu me sente aqui com vocês para tomar um uísque?

 

 

 

Sentou-se. Beatriz continuava sem saber onde pôr as mãos, sem saber o que dizer.

 

 

 

—Vocês me dão licença? Fiquem à vontade. Vou até a toalete. Está quase na hora do jantar de confraternização com meus colegas. Preciso recompor meus cabelos e meu batom. Já retorno.

 

 

 

Com um sorriso, sumiu dali. E não mais voltou. Foi ao andar de cima, onde se localizava o salão de festas, ao encontro dos seus colegas de turma que lá já se encontravam em meio a brindes e abraços.

 

 

 

Após o jantar cada um contava o que andava fazendo na vida. Um deles viera diretamente de Paris onde, na Sorbonne, especializava-se em políticas sociais.

 

 

 

Serpentinas e confetes enchiam já o velho salão de festas. Alguns mais boêmios ainda lá se encontravam a brindar com as últimas taças de champanhe, quando um dos funcionários do hotel vem perguntar se era da turma deles que faziam parte dois senhores, que estavam estirados sobre um sofá, na saleta ao lado do bar.

 

 

 

Beatriz teve um arrepio. E correu a ver. Lá se encontravam, em sono solto, Diógenes e Samuel. Na mesinha, ao lado um litro de uísque vazio.

 

 

 

Na manhã seguinte ela tomou o primeiro ônibus rumo à sua terra para, junto dos seus, passar as festas de fim de ano.





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