A quem já conhece, para relembrar.
A quem não conhece,
apenas uma homeopática dose
para estimular a vontade.
Em muitas palavras e em muitas linhas eu tentei trazer a mais bela mensagem, do mais belo dos hinos de Amor, do mais belo dos hinos de Liberdade que já li, vi e ou ouvi. Mas acho que não consigo. É a tranquila poesia de uma gaivota a sobrevoar o seu amado céu, buscando, através dos espaços azuis, em seus mais altos voos, a suprema utopia de um novo viver.
É a história de uma Gaivota diferente, que, por ser diferente das demais gaivotas foi banida de seu bando… Uma gaivota que procurou transformar a finalidade de um voo comum num alcance supremo de beleza e de paz. Uma gaivota incomum que tentou alcançar outros páramos. Uma gaivota incomum que tentou, em supremo esforço, transformar o lugar-comum do voar em busca de um peixe, na magnífica metamorfose do “voar pelo simples prazer de voar”. Uma gaivota incomum que transformou o mais medíocre dos atos, em algo puro, transcendental e perfeito.
Foi um aprendizado pertinaz, foi um aprendizado duro e constante e junto com a maravilhosa figura de Fernão Capelo Gaivota (*) sofremos e suamos todos em cada página desta maravilhosa e mística história. Fernão consegue velocidades e quedas incríveis que só a imaginação de um aviador acostumado a estes lances poderia nos proporcionar.
Entre quedas e ascensões, entre vitórias e fracassos a nossa Gaivota recebe a reprimenda dos seus pares. E do seu bando Fernão foi desligado como se um pária fosse. Desligado como o indesejável ser que trouxera discórdia e como um desterrado o enviaram para uma solitária vida na região dos Penhascos Longínquos.
Com muito treino e muita observação Fernão conseguira magníficas acrobacias aéreas. Em uma ocasião até prometera a si mesmo ser somente uma gaivota comum, igual a mais comum das gaivotas, voando apenas da praia à água em busca de um peixe para saciar a própria fome. Mas fora apenas uma destas promessas vulgares, na tentativa de conseguir ser igual a mais comum das mortais gaivotas. Promessa que ele logo esquecia sem nem mesmo sequer remorsos sentir. Pois, para quem paira acima, muito acima do comum e da vulgaridade, desnecessário se torna tal tipo de promessa. E Fernão Capelo Gaivota não era uma gaivota comum.
Sente-se, ao ler o livro, a imensa tristeza de Fernão ao se lembrar de que as demais gaivotas não acreditavam nele e menos ainda na glória do voo que as aguardava para além dos páramos azuis. O estar só não o entristecia. Na sua solidão foi treinando sempre mais. E conseguiu um enorme controle interior, a cada dia muito mais aperfeiçoado, conseguindo até dormir em pleno ar, à noite, e “voou através de nevoeiros cerrados, subindo acima deles para céus estonteantes de claridade… enquanto outra gaivota qualquer ficaria em terra, conhecendo apenas a neblina e a chuva”. E descobria então que o tédio, a ira e o medo são as razões para uma vida tão curta.
E no alvorecer de um belo dia, guiado por outras gaivotas que voavam como ele, voou para outros mundos. E chegou a um lugar maravilhoso onde palavras eram desnecessárias. E naquele Paraíso havia tão poucos habitantes. Achou estranho então ser ele ímpar entre um milhão. E transpôs a barreira de muitos mundos, de milhares de vidas em uma única vida. Outros percorreriam um longo caminho, vagando de um mundo a outro, esquecendo-se do passado e vivendo apenas o presente, até perceberem que algo existia além de comer ou lutar ou ser importante. E a aprender que “há uma coisa chamada perfeição e que o objetivo da vida é encontrar essa perfeição e levá-la ao extremo”.
E foram explicando a Fernão que o próximo mundo seria escolhido por aquilo que ele ali aprendesse. E que o nada aprender, a inércia, a inutilidade significariam um “próximo mundo igual a este, com as mesmas limitações e os mesmos pesos de chumbo a vencer”. E mais ainda enfatizam as palavras que tecem a peregrinação de Fernão. Que o Paraíso não é um lugar e nem um tempo. O Paraíso é a criatura ser perfeita e nenhum número é o limite, pois a perfeição não tem limite.
Em seu aprimoramento a nossa Gaivota aprende a voar com a mente conseguindo atingir um outro planeta que era enfeitado com um lindo céu esverdeado e uma dupla estrela como sol… E lá, nesse outro planeta, ficamos conhecendo Chiang, uma gaivota-mestre, que não só o preparou para voos para o além como também lhe demonstrou o significado máximo do que seria Bondade e Amor. “… e a sua maneira de demonstrar o Amor era dar alguma da verdade que ele próprio descobrira a quem pedisse apenas um vislumbre dessa verdade”. E então retornou para o mundo de onde viera para trabalhar no Amor entre aqueles a quem deixou no solo gritando e lutando.
“Ao te expulsarem, amigo” dizia ele a outra gaivota que encontrou pelo caminho, outra gaivota banida como ele havia sido… “as outras gaivotas só fizeram mal a si próprias e um dia sabê-lo-ão”.
“… cada um de nós é uma idéia da Grande Gaivota, uma idéia ilimitada de Liberdade”. “Quebrai as correntes de vosso pensamento e conseguireis quebrar as correntes de vosso corpo”. “Nós somos livres para irmos onde nos aprouver e sermos o que somos”. Eram as palavras de Fernão ao doutrinar as demais gaivotas que do grande bando banidas estavam sendo. E foi então que as exiladas gaivotas vinham trazer ao bando encolhido e rasteiro as noções de um amor superior.
Richard Bach, o autor deste libelo sobre o Amor, a Liberdade e a Perfeição projetou em Fernão Gaivota os anseios na busca do mais perfeito, não importando o preço ou a vergonha, não importando nem derrotas e nem fracassos. E ele dedica o livro “ao verdadeiro Fernão que vive em todos nós”. O que nos cabe é procurá-lo em nosso recôndito eu escondido, encontrando o prazer em fazer as coisas bem feitas, sem pisotear ninguém pelos caminhos. Fazer bem feito mesmo que seja apenas para nós mesmos.
A surpresa maior de muitos é o concordar que Fernão Capelo Gaivota não é uma história de ficção.
(*) “Fernão Capelo Gaivota.”
Título original:- “Jonathan Seagull”.
Autor: Richard Bach, escritor e aviador.
As citações entre aspas foram extraídas do livro.