Sempre nas ondas do Rádio


Algumas revistas, e também alguns jornais, publicavam capítulos semanais de idílicas e ou trágicas histórias de amor

 

 

 

Antes que as ondas do rádio começassem a invadir os ares e, consequentemente, os lares e os cérebros das pessoas, as notícias chegavam pelos jornais — embora com múltiplas horas de atraso — aos mais remotos cantos do mundo.

 

 

 

Enredos românticos, de suspense, policiais, a história do mundo e tantas outras coisas mais eram encontradas em livros. Lia-se muito, mas nem todos sabiam ler. E livros não eram encontrados facilmente.

 

 

 

Algumas revistas, e também alguns jornais, publicavam capítulos semanais de idílicas e ou trágicas histórias de amor. Páginas que as pessoas recortavam com cuidado, encadernando-as depois, com todo o requinte. Havia um em minha casa. De capa dura. Em dois volumes. “Alma Negra” era o seu nome.

 

 

 

E assim comunicava-se o mundo antes dos albores do século XX.

 

 

 

Quando as primeiras transmissões de rádio chegaram aos ouvidos do mundo, o cinema já tinha começado a dar os seus passos também. As vozes do rádio entravam nas casas das pessoas. Para se ver um filme, necessário era procurar uma sala de exibição.

 

 

 

São vagas as imagens, em minha memória, do glorioso dia em que um aparelho de rádio foi, majestosamente, entronizado em nossa casa, em Marcílio Dias. Levado, do armazém da estação de trem, em uma carroça, até o portão. Acondicionado em uma grande caixa. Envolto em mantas de jornais. Tratava-se de um bem tão precioso que requeria extremos cuidados em seu transporte e com seu manuseio.

 

 

 

Sobre uma estante especial, em formato de um pequeno armário de duas portas foi ele colocado. Logo chegou o mestre das instalações elétricas da região, o senhor Érico, que trabalhava na filial da empresa H. Jordam, em Canoinhas.

 

 

Não consigo imiscuir-me nos detalhes de como a instalação foi realizada. Lembro-me, no entanto, de um belo e garboso rádio funcionando a todo vapor na sala de estar em que costumávamos ficar. Local das costuras de minha mãe. Da cadeira onde minha Nonna Thereza se sentava para fazer os seus tricôs e os seus crochês.

 

 

 

Era uma parafernália de fios. Além da necessária instalação elétrica, era preciso colocar uma antena externa. Na parede, logo acima do rádio havia uma pequena chave que deveria ser deixada virada para cima enquanto o rádio estivesse em uso. E ao desligar-se o aparelho, a chavinha, de imediato, deveria ficar voltada para o solo. A antena nada mais era que um longo fio que se estendia parede acima. Na parte mais alta do telhado colocavam-se ainda duas grossas ripas justapostas, uma em cada ala da casa. E o fio, ou seja a antena, corria de lado a lado. Para que se conseguisse captar os sons mais distantes do mundo naquela caixa de madeira toda trabalhada, cheia de retoques.

 

 

 

Outro fio saia do aparelho e seguia em direção ao solo, através de um pequeno pertuito, executado com uma pua de fina ponta. Era o chamado fio terra. Que deveria descarregar os ruídos indesejáveis e salvaguardar o rádio dos temíveis raios atmosféricos.

 

 

 

O que eu achava mais incrível naquele aparelho eram as vozes que dele saíam. Atrás dele eu não via ninguém. Estava muito perto da parede. Mas cansei de procurar por aquelas pessoas no quarto que ficava do outro lado. E isto me intrigou por muito tempo.

 

 

 

Nosso receptor de rádio era recoberto, em sua parte superior, por um fino tecido, que parecia ser seda, mas um pouco mais resistente. Para permitir que o som reverberado através dos autofalantes fluísse com mais nitidez.

 

 

 

Na parte de baixo uma tela luminosa em tons alaranjados, com uma porção de coisas nela escritas. Nomes e números. Nomes de diversas cidades do mundo que possuíam emissoras de rádio. Foi muito tempo depois, quando eu já sabia ler, que fiquei conhecendo, muito antes de estudar geografia, os nomes das mais importantes cidades deste nosso orbe. Inclusive da Oceania… E os números eram os números dos quilociclos que identificam o local exato de cada estação radiofônica.

 

 

 

Era tão variada a gama de estações de rádio para se ouvir. Meu Nonno Pedro Gobbi gostava de ficar acomodado em sua cadeira de balanço ouvindo uma rádio italiana. Não me recordo do dia em que ele ouviu o ditador da Itália, Mussolini, vangloriar-se de haver tomado a Abissínia — hoje Etiópia. Era uma Sexta-feira Santa. Minha mãe conta que ele, que não era religioso, levantou-se e, indignado, gritou: “Isto o Duce* vai pagr! E muito caro!”.

 

 

 

Pelas ondas do rádio as notícias da guerra chegavam, para nós, diretamente da Itália, enquanto falar italiano não havia sido proibido. Depois pelos correspondentes das rádios brasileiras. A maioria pela rádio Nacional do Rio de Janeiro.

 

 

 

Na parte da tarde havia um programa em que se liam as cartas que os nossos pracinhas escreviam para as suas famílias. Era a hora em que pessoas de nossa vila apareciam lá em casa, para ouvir, junto com nossa família, notícias da guerra. Eram parentes, em geral mães, de nossos conterrâneos que lutaram na Itália.

 

 

 

Finda a Segunda Grande Guerra Mundial notícias outras das mais variadas partes do mundo chegavam aos nossos ouvidos. E assim ficávamos sabendo, pelas breves notas ou pelos longos noticiários de um mundo dividido. Não se ouviam ribombar de canhões, nem explosões de granadas, mas o sussurro de uma guerra das entrelinhas, a guerra dos conchavos internacionais, a guerra que minava sob os tapetes dos senhores do mundo, a chamada guerra fria.

 

 

 

Em rigorosos horários ouvíamos uma voz de grande sonoridade que, por cinco minutos, informava-nos das principais ocorrências do dia. Era o famoso locutor Heron Domingues, que ficou conhecido como Repórter Esso, patrocinado que era por um dos grandes monopólios do petróleo de então.

 

 

 

Muitos programas humorísticos levavam alegria aos corações do povo. Atores e atrizes de escol participavam destes esquetes, escritos com maestria por autores como Max Nunes e Silvino Neto. Brandão Filho era o astro que imperava, com sua verve, em todos eles. PRK 30 foi um programa inesquecível com ele.

 

 

 

Na parte da tarde eu gostava de correr o dial em busca das mais variadas estações. E encontrava as famosas Belgrano e El Mundo, da capital portenha. Era um tempo em que tangos e boleros dominavam o mercado musical.

 

 

 

O rádio estava muito arraigado em nossas vidas. Mas dele desfrutávamos apenas em nossos tempos de férias. Tempo de estudar era tempo de estudar. E no pensionato onde eu morava, em Curitiba, rádio era objeto apenas das filhas dos fazendeiros de café do norte do Paraná. Lembro-me de uma companheira de quarto que apareceu com um possante, pesadíssimo, movido a grandes pilhas, que captava estações do mundo inteiro.

 

 

 

Foi apenas quase pelos anos finais da faculdade que conseguimos adquirir um pequeno receptor RCA Victor, todo em branco e preto que apelidamos de Gagaseira, pelo tumulto de ruídos que eram captados através de suas ondas curtas e médias. Mas havia bons programas musicais nas rádios curitibanas, que faziam um bom fundo musical para as nossas noites de estudos.

 

 

 

Eu já trabalhava no Jornal “O Dia”, de Curitiba, quando me convidaram para fazer um programa aos sábados à tarde, na Rádio Guairacá. Foi a realização de mais um sonho em minha vida. Eu tinha liberdade para falar o que entendesse. Era um programa cultural. Falava de músicas clássicas e populares. Contava de seus compositores, de suas vidas. Falava de livros. Dos escritores. Levava, para entrevistar, mulheres que faziam a cidade viver. Como a nossa professora, Dra. Maria Falce de Macedo, a primeira médica formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná. E outras tantas do mesmo escol. Assim como atrizes de companhias de teatro, ou de Curitiba ou das de fora que aportavam em Curitiba.

 

 

 

Era um tempo em que a nossa ZYP-6, Rádio Canoinhas, funcionava naquele prédio amarelo que tinha estátuas de leões em seu cimo, o prédio do seu Vergílio Trevisani. E lá, em minhas gloriosas férias, em algumas tardes de sábado, levava uns discos meus para comentar para os ouvintes. Era o tempo em que o rock despontou feericamente no mundo. E os discos que lá o sonoplasta colocou para rodar eram os primeiros Long Plays de Elvis Presley e Bill Halley e seus Cometas, discos que ainda guardo comigo.

 

 

 

Falar sobre o rádio dos tempos que antecederam as emissoras de televisão é entrar num redemoinho, num rendilhado de memórias sem fim. Foram tempos gloriosos.

 

 

 

*Duce: título pelo qual Mussolini era chamado.





Deixe seu comentário: