Os milagres do cão Jerônimo


Obra está na lista do vestibular da UFSC

 

 

 

A maioria dos currículos escolares e de alguns cursos universitários focam no estudo dos grandes clássicos da literatura mundial. Fato que, indubitavelmente, ajuda no processo de amadurecimento crítico, conhecimento cultural e histórico. No entanto, a ênfase tão somente nas narrativas tradicionais enfraquece as potencialidades de análise das obras contemporâneas no ambiente de formação dos jovens leitores. Há inúmeros poetas, contistas e romancistas atuais que merecem ser lidos, analisados, comentados e estudados.

 

 

 

 

Um exemplo é o escritor catarinense Péricles Prade, pois, muito embora sua grande capacidade compositiva e o fato de sua obra Os milagres do cão Jerônimo estar na lista do Vestibular da UFSC 2020, é pouco conhecido pelo público leitor.

 

 

 

 

Este escritor de dezenas de livros de poemas, contos, contos-poemas, ensaios – além de obras técnicas na área de Direito – é um verdadeiro mago das palavras, pois faz inúmeros experimentos com a linguagem, tanto semânticos quanto fonéticos. Ao lê-lo, precisamos nos desprender de qualquer lugar comum, de alguma expectativa pragmática ou molde narrativo, e estarmos dispostos a nos embrenharmos num mundo onírico, surreal, fantástico onde o estranhamento é a primeira reação, seguido de um suspiro de satisfação artística ao reconhecer seus jogos polissêmicos e a sua originalidade estonteante.

 

 

 

 

No livro supramencionado, é evidente que se exige do leitor um conhecimento literário prévio, isto é, seus contos não são lineares, tampouco óbvios, na medida em que dialogam com distintos arquétipos e narrativas da memória coletiva. Estamos, assim, lendo várias obras em uma só, num ininterrupto jogo intertextual. Nos quinze (mini) contos que o compõe, o aparente nonsense camufla os assuntos mais caros à humanidade, como a temporalidade, a empatia, o poder, a subjetividade, a avareza, a violência, a competitividade, a coragem, o fanatismo, a ousadia, a fidelidade, além da alquimia, tema que percorre toda a vasta produção imagética do autor.

 

 

 

 

Um dos contos mais fascinantes é intitulado “A dentadura”, no qual o autor executa, com maestria, sua habilidade criativa e sensível ao se atentar às peripécias de uma prótese dentária que anseia por liberdade e que, para atingir este privilégio que lhe é negado, usa de artimanhas como comprimir as gengivas do senhor que a usa para que este a deixe repousar num copo de água enquanto ele dorme. Ao se certificar de que o ancião ressona, sai em busca de aventuras pela casa e pelo jardim. Apenas com este conto podemos atestar a genialidade artística do autor que consiste em falar, de maneira insólita, de temas universais. Quantas vezes nos sentimos presos como a dentadura do enredo? Quantas táticas temos que usar para driblar as supressões de direitos?

 

 

 

 

 

Há também os metacontos, isto é, aqueles que abordam o próprio processo da escritura, da poeticidade e da plurissignificância dos vocábulos. E o último texto, que dá nome ao livro, faz um desfecho tenaz, enaltecendo a força incomensurável das palavras e, sobretudo, dos silêncios nas interações sócio históricas. (PRADE, Péricles. Os milagres do cão Jerônimo. 5 ed. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1999).





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