O sonho de uma Escola de Balé


Bailarino do Balé Teatro Guaíra/Divulgação

Mesmo sem ouvir os sons, bailarinos dançam com a música que soa em sua mente

 

 

 

Terpsícore, sentada, com sua lira, aguarda, indócil e apreensiva que Euterpe tire os primeiros acordes de sua flauta. E quando a música evola pelo ar, a musa da dança flana pelo espaço em dóceis e suaves movimentos de braços e pernas, deleitando a multidão de gnomos, salamandras, ondinas, elfos, silfos e fadas que povoam a floresta encantada.
Euterpe, a musa da música, a “Doadora do Prazer” inspira os sentidos de Terpsícore, a que se “Deleita com a Dança”.

 

 

 

Mesmo sem ouvir os sons, bailarinos dançam com a música que soa em sua mente. Bailarinos dançam ao som das melodias que os viram surgir pelas planícies e desertos, pelas ruas e vielas, pelos barracões de zinco, pelos palacetes de veludo.

 

 

Um palco iluminado. A melodia, a princípio quase em surdina vem do fundo, vem de um local invisível aos espectadores. Músicos em seu silêncio no proscênio a afinar seus instrumentos.

 

 

Nos bastidores a ansiedade a inundar mãos de frio suor, a mais forte bater os corações, a mais rápida se fazer a respiração.

 

 

 

Última olhada nos espelhos da coxia. A um invisível sinal irrompem os acordes da orquestra e uma nuvem de tule e rendas invade a cena. Voam pelo palco. Apenas se nota um uníssono movimento. Como se não houvesse chão. Rodopiam. Braços que se juntam no ar. Corpos que se movem. Gestos quase não gestos. Leves movimentos. Mãos que evolam. Dedos que contam fábulas.

 

 

 

E a nuvem de tule e de rendas tece histórias no compasso da música que ecoa pelo palco, que ecoa pelos bastidores, que fundo toca nos corações em suspiro na imensa plateia.
A dança sempre envolveu o ser humano. Romances esmiuçados nos passos e nos gestos da dança estão sendo mostrados pelos palcos do mundo desde o princípio dos tempos conhecidos.

 

 

 

Livros contavam histórias de bailarinos famosos. Revistas mostravam magníficas imagens estáticas de cisnes em pleno voo no meio de fantasmagóricos palcos. E o cinema deu vida as estas cenas. Não se via em um filme uma suíte completa. Apenas alguns excertos incrustados em meio aos dramas e musicais.

 

 

 

Era assim que víamos, Vaslav Nijinski, Rudolf Nureyev, Anna Pavlova, Margot Fontheyn, Alícia Alonso, Mikhail Baryshnikov, entre tantos que pelas telas nos embeveceram.
O Clube Thalia, em Curitiba era também um centro de arte. Um local de nossos devaneios em muitas manhãs de domingos. Íamos assistir o ensaio da Orquestra Estudantil de Concertos que o maestro Bento Mossurunga dirigia.

 

 

 

Mas não apenas a orquestra lá fazia seus ensaios. Em certa manhã ficamos a conhecer os integrantes de uma Escola de Balé. Que ensaiavam ao som dos instrumentos musicais dirigidos por Bento.

 

 

 

Era a Escola de Balé de Tadeu Morozowicz. Exímio bailarino polonês que fez a história da dança em Curitiba. E a primeira bailarina de sua escola era Marlene Tourinho.

 

 

 

Foi assim que pudemos assistir, pela vez primeira, uma apresentação de balé. No salão do Clube Thalia. Foi um momento mágico. Mágica e inesquecível manhã.

 

 

 

Já acadêmica de medicina e jornalista em Curitiba muitos espetáculos de balé pude assistir. O Pequeno Auditório do Teatro Guaíra já havia sido inaugurado. Tínhamos também o Auditório da Reitoria da Universidade Federal do Paraná.

 

 

 

Mas o nosso sonho era assistir os grandes espetáculos do Ballet Bolshoi e de outras companhias russas de dança. Eufórica aguardava, com meus amigos, já nas décadas de 60 ou 70, a apresentação que o mais famoso do mundo faria no Brasil. Fazia, na época uma turnê pelo mundo. Depois de se apresentarem em Nova Iorque viriam para cá.

 

 

 

Preparavamo-nos para, em caravana irmos a São Paulo a fim de nos deleitarmos com tão fantástica visão. Mas o Bolshoi é de Moscou. O Bolshoi é da Rússia. O principal país, a sede, o centro da então famigerada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O núcleo do temível comunismo.

 

 

 

Estávamos em plenos anos cinzentos. E as cabeças pensantes de então negaram o visto de entrada para os bailarinos do Ballet Bolshoi. E proibida ficou a sua vinda ao Brasil. Perdemos a chance de ver e aplaudir aqueles famosos bailarinos em toda a sua pujança.
Como nada é eterno, com a fundação da Escola Bolshoi em Joinville pudemos assistir uma apresentação magnífica do Bolshoi de Moscou, um dos maiores grupos de danças do mundo, no Centro de Eventos Cau Hansen.

 

 

 

Outras escolas de balé do leste europeu apresentaram-se em Curitiba, como os da Ucrânia e da Polônia, além de outros da Rússia também.

 

 

 

Não consegui ver Alícia Alonso dançar. Mas eu a vi aplaudindo o Balé Nacional de Cuba, o balé por ela dirigido, em pleno Teatro Nacional de Havana, em 2014, quando eu lá estive. Detalhes desta apresentação vocês poderão ler em “Cinco Estações”, meu próximo livro, a ser lançado ainda antes do final deste ano.

 

 

 

 

 

Canoinhas também teve uma Escola de Balé. Não sei em que ano teria sido seu início. Sei que foi na década de 1960. Mas sei que, de repente, vi minha irmã Aline a bordar, a inserir lantejoulas e vidrilhos, rendas e fitas, tules e demais fru-frus em roupas de balé, que na loja de dona Dinorah Pacheco Ritzmann eram confeccionadas por elas. Saiotes e corpetes. Blusas com mangas bufantes e saias rodadas. Calças apertadas, estilo toureiro e coletes.
Os ensaios e os espetáculos eram realizados no Clube Canoinhense.

 

 

 

Roseli Maidel, exímia bailarina, vinha, semanalmente, de Porto União, onde morava, para ensinar esta tão delicada arte para as meninas de nossa cidade.

 

 

 

Era uma animação total que eu presenciava em casa de minha irmã. Muitas vezes lá eu vi aquelas meninas reunidas com minhas sobrinhas Lúcia Helena e Mára Helena, a fazer demonstrações de seus bailados. Era emocionante ver as carinhas felizes a se equilibrar na ponta de suas sapatilhas.

 

 

 

Não me lembro de todas as que eu encontrava a exercitar seus passos de balé clássico e ou espanhol. Tenho na memória as sorridentes Virgínia Prust, Rosane Peixoto, Elizabeth Koch, Jane Corte, Ana Sílvia Mayer, Ana Maria Rirzmann, Janine Michel, Míria…
Um dos espetáculos que o grupo de baile de Canoinhas, dirigido por Roseli Maiden, teve uma lacônica nota no jornal Correio do Norte, na época.

 

 

 

Foi uma noite de encantamento. Claro, não havia uma orquestra para tocar as músicas. Mas Roseli tinha um excelente aparelho de som. Com toca-discos. Os long-plays com as músicas que a sua inspiração selecionava para cada coreografia em especial.

 

 

 

Jane Corte e Lúcia Helena foram aplaudidas em pé após apresentarem a Habanera da Carmen de Bizet. Vestidos em fundo vermelho com pequenas bolas brancas. Saias rodadas no legítimo estilo espanhol. Com profusão de franjas. Com todo o revoluteio que se requer.

 

 

 

 

Mangas bufantes. Negros cordões transpassados no peito a apertar o busto. E franjas também no decote em V. Salto alto de solado característico para fazer o compassado sapateado. O característico Ri a ti ta, o mágico som das castanholas em suas mãos. Um penteado preso, em coque clássico, maravilhoso. E uma rosa vermelha nos cabelos.
Foram muitas as danças. Em solo ou em grupo. Entre tantas, a “Valsa das Flores” da suíte “Quebra Nozes” e excertos de “O lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, “Cenas de Gisele”, de Gautier e outras danças mais…

 

Bailarina se apresenta no Clube Canoinhense/Arquivo pessoal

 

E as vi, em uníssono a bailar o “Brasileirinho”, num ritmo inigualável de chorinho.
Não tínhamos floricultura, ainda, em nossa cidade. Mas todas as rosas de nosso jardim eu consegui colher e envolver em várias folhas coloridas de papel de seda a fim de um lindo buquê oferecer para a talentosa professora. Lembro-me que foi o único que ela recebeu ao final do espetáculo. Coloquei nas mãos de minha sobrinha Lúcia que ofereceu a ela.

 

 

 

 

E chorinhos múltiplos eu vi nos olhos destas meninas depois que Roseli não pode mais voltar a Canoinhas, para ensaiar o grupo, para dar suas inesquecíveis aulas de balé. E a nossa Escola de Balé nunca mais se apresentou para a plateia. Restaram as lembranças de um tempo feliz em que castanholas vibravam no ar e as sapatilhas rodopiavam na casa de minha irmã Aline e no salão do Clube Canoinhense.





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