O naufrágio de uma civilização: o fenômeno deletério da tribalização


Atentado em Nice, na França, deixa ao menos três mortos, incluindo uma brasileira, nesta semana/Divulgação

Todo este cenário radical e fundamentalista é consequência direta e indireta do avanço de um ultraliberalismo irresponsável

 

 

Dr. Wellington Lima Amorim*

 

 

Recentemente, Amin Maalouf, membro da Academia de Letras da França, ocupante da cadeira de Lévi-Strauss, nos presenteou com uma excelente e contemporânea reflexão em seu ensaio, Naufrágio das Civilizações. Maalouf demonstra de forma clara e objetiva os três principais fatores que estão destruindo e conduzindo nossa civilização a um desastre inevitável: a) Conflitos identitários; b) Islamismo radical; c) Ultraliberalismo. Estas três características descritas e argumentadas em 253 páginas da edição brasileira publicada no corrente ano, (2020), podem ser apontadas como sendo a bomba relógio que está conduzindo a civilização planetária a um verdadeiro naufrágio.

 

 

 

Neste ensaio, é possível observar como a civilização ocidental influenciou e criou uma tribalização no Oriente, a partir de um projeto colonialista que começou a enfrentar resistências duras no distante ano de 1949, em projeto que tinha como representante maior Winston Churchil e que provocou a reação ditatorial e conservadora do Coronel Nasser no Egito, gerando um efeito dominó que acabou por dividir o povo árabe, que em sua versão mais extremada, transformou palestinos e judeus em inimigos mortais.

 

 

 

 

E ainda, como o pensamento marxista/stalinista usou da mesma tática, a partir de seus interesses imperialistas no Oriente, para dividir e tribalizar a região, tendo como auge a Guerra do Afeganistão. Este cenário gerou quatro grandes “revoluções conservadoras” no ocidente, segundo o autor: a) Conservadorismo inglês de Margareth Thatcher; b) Conservadorismo americano de Ronald Reagan; c) Conservadorismo islâmico do Aiatolá Khomeini; d) Conservadorismo católico tendo como líder o polonês João Paulo II.

 

 

 

 

Todos estes movimentos considerados pelo autor como “revoluções conservadoras” tinham o principal objetivo, impedir a expansão do pensamento marxista/leninista considerado uma ameaça para as liberdades individuais no Ocidente, mas ignorou a influência deletéria que a antiga União Soviética iria exercer no Oriente. Com o colapso do projeto político soviético em 1989, o Oriente, em especial o mundo árabe, se tribaliza, na tentativa de proteger suas tradições e sua visão de mundo. Todavia acabou por criar grupos identitários que irão se degladiar em lutas intestinas e fratricidas.

 

 

 

 

Todo este cenário radical e fundamentalista, que tem seu ápice no islamismo radical,  é consequência direta e indireta do avanço de um ultraliberalismo irresponsável empreendido pela Civilização Ocidental, que sempre teve uma visão exótica e romântica do Oriente. Com a derrocada da antiga União Soviética, que exerceu uma profunda e ainda não suficientemente analisada  influência do pensamento marxista/leninista no Oriente, acabou por disseminar um raciocínio tribal, como modus operandi, uma estratégia guerrilheira que posteriormente irá chegar nos países de tradição ocidental, seja pelo fundamentalismo religioso islâmico ou pelas lutas culturais da nova esquerda.

 

 

 

O projeto civilizatório moderno sempre buscou o Universal, ir além das meras particularidades que se apresentam contraditórias, ou melhor todos se tornam cidadãos, estando acima de qualquer questão de gênero, raça, etnia, preferência sexual ou religiosa. No entanto, no atual estágio da modernidade, as pessoas motivadas pelas promessas da nova esquerda, que tribalizada e colapsada promete a luta por direitos individuais, empreende uma guerra contínua, que não mais se reconhece como cidadãos.

 

 

 

Através de um puritanismo retrópico se iguala a movimentos anacrônicos como a nova direita americana, Donald Trump e seus simpatizantes, buscando ser reconhecidos a partir de sua escolha sexual, de gênero, etnia ou religião, e não mais como cidadãos, onde todos deveriam ser iguais perante a lei.  Como afirma nosso autor: “Num mundo em decomposição, onde prevalece o egoísmo sagrado das tribos, dos indivíduos e dos clãs, são muitas as situações que se complicam e se contaminam a ponto de ser impossível administrá-las”.

 

 

 

 

Quem são os culpados por este naufrágio? “O comportamento de certas forças tradicionalmente situadas à esquerda é tão inquietante quanto: pouco tempo atrás, elas levantaram o estandarte do humanismo e do universalismo, mas preferem, hoje pregar os combates de caráter identitário, como porta-vozes das diversas minorias étnicas, comunitárias ou corporativistas”.

 

 

 

 

E ainda, as “revoluções conservadoras” que ativaram este processo de tribalização civilizacional e provocou a exacerbação das lutas identitárias. Enfim, o ultraliberalismo, a tribalização e o fundamentalismo religioso, mesmo que estes sejam travestidos pela suposta laicidade da nova esquerda com seu moralismo puritano, em defesa dos direitos das minorias, nos levará a completa barbárie.

 

 

 

*Dr. Wellington Lima Amorim é professor





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