O menino do dedo verde*


Hoje eu queria uma plêiade de Tistous colocando flores nas mãos de todos os homens de boa vontade

 

Maurice Druon era Ministro da Cultura da França quando escreveu “O menino do dedo verde”. Autor já consagrado por seus romances históricos ofereceu-nos “uma obra-prima de pura ficção, transbordante de humor e poesia”, no dizer de seu tradutor, Dom Marcos Barbosa.

 

 

 

É importante notar o fato de Maurice Druon colocar esta sua ficção num plano altamente compreensível para aqueles que “queiram compreendê-lo”, mesmo que crianças não sejam mais.

 

 

 

O autor já inicia sua obra dizendo-nos que o próprio nome do pequeno herói, Tistou, foi invenção de pessoas grandes, com mania de “ideias pré-fabricadas que são ideias muito mal fabricadas”. Pessoas grandes que “não sabem, por mais que o pretendam, de onde foi que viemos, por onde andamos, onde estamos e o que devemos fazer neste mundo”.

 

 

 

Depois de argumentar sobre estas ideias, já há muito incrustadas em livros, diz Maurice Druon, que é muito fácil para alguns ser uma pessoa importante, e até em tempo relativamente curto, por sua dedicação à leitura, o que não deixa de ser prático…

 

 

 

Porém “quando a gente veio à terra com determinada missão, quando formos encarregados de executar certas tarefas, as coisas já não são tão fáceis”.

 

 

 

E foi assim que o autor concebeu seu pequeno herói Tistou, um menino muito bonito, que não se envaidecia com elogios pois “a beleza lhe parecia uma coisa muito natural”.

 

 

 

Tistou foi colocado em uma escola onde não conseguira ficar. E voltou para casa com um recado a deixar todo mundo mais preocupado, pois ele não era como as demais pessoas. E, por ser diferente, não foi difícil julgarem que o errado fosse ele.

 

 

 

 

Maurice Druon, com seu admirável tino de escritor, coloca o menino “distraído” que dormira em seu primeiro dia de aula, a vagar pelo livro inteiro cumprindo a Missão para a qual viera ao mundo, a Missão de distribuir a Paz em meio à guerra, por meio de flores.

 

 

 

 

O Menino do Dedo Verde começou aprendendo lições com o jardineiro da família.

 

 

 

E Tistou gostou do cheiro da terra, gostou do cheiro das flores e, nesta aula ele não dormiu.

 

 

 

 

E foi então que apareceu o prodígio. A descoberta de que Tistou tinha o Polegar Verde. Onde quer que Tistou tocasse, nasceriam flores.

 

 

 

E o jardineiro-filósofo explica ao seu Menino do Dedo Verde que as sementes das flores estão por toda a parte. Sempre à espera de que um vento amigo as leve para algum lugar adubado, um jardim ou um campo para que elas não morram entre duas pedras sem transformar-se em flor.

 

 

 

Com este seu viver tão poético e amante da Paz descobriu que seu pai fabricava canhões. Que faziam a Guerra. E descobriu as cadeias, e descobriu as favelas, e descobriu a miséria e descobriu a doença. E descobriu que havia necessidade de pílulas de esperança para curar os doentes. E descobriu que “para cuidar direito dos homens é preciso amá-los bastante”.

 

 

 

E, por onde passava, fazia com que as flores brotassem para alegrar a todos os que conhecera tristes e ou desesperançados.

 

 

 

E a sua cidade natal mudou até de nome. “Mirapólvora” passou a chamar-se “Miraflores”.

 

 

 

Maurice Druon esteve nas frentes de batalha. Conheceu a guerra de perto. Lutou por sua terra. Foi correspondente de guerra. Escreveu a letra de um hino até hoje cantado na França. Conhecia as profundezas da tristeza imensa que as guerras causam. Conheceu a devastação e o horror. Sabia o que era a tristeza da separação de irmãos, de amigos e de amantes. E conseguiu colocar em seu pequeno herói todo este horror que acontece quando duas potências julgam-se no sagrado direito de dominar um pequeno pedaço de terra. E Tistou aprendeu mais uma lição: “As duas nações estão em guerra por causa do petróleo porque o petróleo é indispensável para a Guerra”.

 

 

 

 

E descobre também que da fábrica de seu pai saía o armamento para as duas nações se destruírem “para demolirem jardins de lá e de cá…”

 

 

 

Tistou não teve dúvidas. Colocou seu verde polegar em todos os canhões, máscaras contra gases, tanques, autometralhadoras. “As armas floresciam como acácias na primavera”. Como “não se conquista um país com rosas e as batalhas de flores nunca foram levadas à sério, a paz foi concluída, retiraram-se os exércitos e o deserto cheio de petróleo foi devolvido ao seu céu, à sua solidão, à sua liberdade.”

 

 

 

 

Muita gente prática não entendeu Tistou. Assim como muita gente prática não gostou do livro de Druon. Mas acontece que esta gente prática somente vende armamento para a guerra. Mas nunca pisou numa frente de batalha.

 

 

 

O pai de Tistou acabou por convencer-se sobre o sucesso das flores. E transformou sua fábrica de canhões em fábrica de flores.

 

 

 

 

Druon coloca sempre Tistou entre seus amigos animais e ouvimos seu Pônei a consolá-lo: “Chora, Tistou, chora, as pessoas grandes não querem chorar e fazem mal; porque as lágrimas gelam dentro delas e o coração fica duro.”

 

 

 

Hoje as pessoas grandes tentam soltar pequenos balões carregados de sementes de flores e de sementes de árvores. Porque muitas pessoas grandes voltaram a pensar como Tistou e querem colorir o mundo e cobri-lo com flores e Paz.

 

 

 

Eu ainda fico a imaginar o pequeno Tistou nos nossos dias, colocando seu pequeno polegar em nossas praças e em nossas ruas e em todos os hospitais do mundo. Levando cor e alegria aos desesperados entregues à dor, entregues à agonia.

 

 

 

Hoje Tistou poderia demover os senhores do mundo para que deixassem de fabricar guerras, que distribuíssem flores, que voltassem a ter um olhar de criança.

 

 

 

Hoje eu queria ver Tistou colocando seu verde polegar em todos os descrentes da ciência, em todos os que se julgam acima do bem e do mal, para que não mais continuem a disseminar a discórdia.

 

 

 

Hoje eu queria uma plêiade de Tistous colocando flores nas mãos de todos os homens de boa vontade que lutam nas frentes de batalha dos hospitais tentando amenizar a dor e a angústia que um vírus, em forma de coroa, vem disseminando pela face da terra.

 

 

 

Hoje eu queria que todos nós nos transformássemos em Tistou e entendêssemos que só nos dando, virtualmente, as nossas mãos, nesses tumultuosos dias de Pandemia poderemos vencer a batalha contra um microscópico ser que parece ter o dom de uma eterna multiplicação geométrica.

 

 

 

Hoje eu queria que todos os anjos-Tistous do universo aqui chegassem, colocassem máscaras em todos as pessoas da face da terra. Que impedissem aglomerações. Que conseguissem colocar na consciência de toda a humanidade que só batalhando pelo bem comum, seguindo o que a ciência propugna e aconselha, conseguiremos vencer um tão ínfimo inimigo. Um inimigo que nos dá o exemplo. Sozinho ele nada faria. Vence-nos porque se une a uma miríade de outros iguais em número infinitesimal.

 

 

 

 

Eu não vou contar porque o Menino do Dedo Verde chorava. Ele foi algo tão maravilhoso que veio apenas cumprir a Missão de distribuir flores e a paz entre os homens de boa vontade.

 

 

 

 

 

 

    Texto original escrito em 1978 para o Jornal “Barriga Verde”.

            Adaptado para os dias de hoje.

 

 

 

 

 

 

*Livro infanto-juvenil de Maurice Druon, escrito em 1957. Título original: “Tistou les pouces verts.” Tradução de Dom Marcos Barbosa. Desenhos e capa: Marie Louise Nery.

 





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