O Herói nosso de cada dia


Nas épocas que ficaram perdidas na memória do tempo os Mestres passeavam nos campos ensinando segredos e encantos …

Sem eles, o conhecimento e as lições apagar-se-iam.

Com eles, somos sabedores do que existe no mundo e fora dele.

O Herói nosso de cada dia é rodeado sempre de gente de todas as idades. O Herói nosso de cada dia é rodeado sempre de gente de todos os credos. O Herói nosso de cada dia é rodeado sempre de gente de todas as raças.

Perguntado, inquirido, interrogado, analisado, tido como ser omnisciente, lá está ele em seu posto em todas as horas do dia.

Explica, disserta, divaga, devaneia, calcula, conversa, troca ideias, estuda, aceita seus erros, aceita os nossos erros, ensina outra vez, não tem direito de errar.

Correm os dias. A matéria por vencer. E quantas e quantos a brincar e a voar por outros mundos, indiferentes ao momento e ao tema que a sua frente se desenrola e sendo explicado está. E o Professor é sempre a vítima, o Professor é sempre o culpado pelas ignorâncias que grassam a seu redor e sob seus olhos.

Recebe telefonema inquiridor sobre uma nota que o mimado aluno achou por bem não ser condizente com o trabalho que fez, com a lição que apresentou, com a prova que realizou.

O Professor não tem tempo para os seus. Tem todo o seu tempo ocupado com o tempo alheio. É preciso, é necessário, é imprescindível que ele consiga interiorizar nos cérebros mais variados, em igual tempo, igual teor de conhecimentos. Não importa se a massa encefálica está apta ou se o problema é causado por uma mente inferiorizada por razões que nem a genética explicaria. Não importa se o aprendiz é ávido por novos conhecimentos, não importa se o aprendiz é ávido por desbravar mundos desconhecidos ou se cumpre apenas o ato de peregrinação pelas escolas, se cumpre apenas o ato de presença para tão somente polir o móvel que ocupa.

Mas, o que é necessário, o que é preciso, o que é imprescindível para o nosso Herói é que ele complete o ano com uma classe cheia de gênios. Que ele consiga incutir na mente de cada um tudo o que de novo existe sob o sol. Ou sob a lua. Ele é omnisciente; ele é omnipresente. Professor é um ser que vive em um mundo etéreo, rarefeito, sublimado. Não tem necessidades fisiológicas como o comum dos mortais. Não come e não dorme. E aprendeu e aprende tudo por osmose.

E é insensível. Feito de uma crosta onde emoções são inacessíveis. Reclamações, queixas, agressões verbais ou físicas não o afetam.

É sobrenatural. Tão sobrenatural que apenas cumpre o seu dever sem se preocupar com as coisas materiais que o mais comum dos seres necessita para sobreviver.

Armado destas etéreas condições vai planando seus dias pelo globo. Mostrando, explicando, aguentando …

Tem uma estranha capacidade de engolir queixas de um clã inteiro que o culpa pelos insucessos de um precioso rebento seu. De um rebento seu dotado de um quociente de inteligência que eles não percebem, ou não querem perceber, ser inferior.

Tem a estranha capacidade de engolir queixas e receber pedras atiradas por uma comunidade inteira que acredita serem as suas normas de vida as que devem imperar sobre as regras da escola.

A cada nascer do sol ele se anima em ir ao Banco ver se já foi depositado o seu minguado salário. Quantas vezes, e por quantos anos, eu vi meses se passarem sem um centavo sequer entrar na conta dos escravos do magistério. Meses transcorrem e o sistema eletrônico deles se esquece. Mas, o mundo não para. Necessário é prosseguir no vai-e-vem pelas salas de aula.

As crianças, os rapazes, as garotas esperam que ele continue sendo aquele ser sobrenatural, conhecedor do mundo e do infinito. Esperam que ele continue aguentando suas lamúrias, suas queixas, seu barulho infernal.

Afinal, o professor não habita este planeta. Ele é mesmo sobrenatural. Não tem aquelas mesquinhas e comuns necessidades de sobrevivência do mais comuns dos mortais. Não anda, levita. Não se alimenta. Vive de seu saber.

E quantas vezes, ao chegar em casa, após intensa jornada de muitas horas, com a mente confusa, o corpo vergando, encontra sob sua porta ou em sua mesa mais uma porção de papéis cheios de números e letras. Números e letras diferentes daqueles que escrevera o dia inteiro em sua peregrinação pelas salas de aula. Números e letras de pedra. Números e letras sem alma. Números e letras de contas a pagar.

Mas pagar …  como? Com o que? Se ainda nada recebeu pelo intenso trabalho? Que pessoas injustas … Não sabem que o professor não tem contas a pagar? Ele é sobrenatural. Não come. Não dorme. Necessidades materiais são para o homem comum.

Ele é sobrenatural. E tão sobrenatural ele é que sua classe extinguindo-se vai, aos poucos. Sobram aqueles de vocação extremada que felizes são por terem muito a dar e nada a pedir.

 

Escrevi este texto no início da década de 1970 em homenagem às minhas irmãs Aline e Avani, baseando-me no calvário que elas ousaram percorrer e o dedico, hoje, a todos os Professores da Vida.





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