Não importa o que se diga do do atual presidente: o que importa é que ele come cachorro quente na barraquinha do Zé
Dr. Walter Birkner*
Político mineiro da genuína direita, Magalhães Pinto (1909-1996) dizia que política é como nuvem: tu olha, tá de um jeito; olha de novo, tá de outro. A frase é genial porque denota o pragmatismo da política, que aproxima Fernando Collor de Jair Bolsonaro, que janta na casa de Dias Toffoli a fim de garantir que os filhos não lhe tirem mais uma noite de sono. O poder é assim: exige pragmatismo e conforma as nuvens ao sabor dos ventos. Diferente dos convictos, o homem comum contempla, entende e aceita que as coisas mudam e decide seu rumo na mesma direção.
Não obstante, a frase do velho político também serve para uma síntese da história política. No Brasil dos últimos 50 anos, vimos a lenta decadência da direita e a ascendência da esquerda. Lá atrás, era plenamente possível identificar a direita com os empresários, os militares, os juízes, o positivismo e a Igreja Católica. A esquerda era trabalhista, marxista, namorava o campesinato e sentia as dores e alegrias dos mais simples. Comia pão com mortadela, bebia cerveja pilsen, vinho só de garrafão, e falava em consciência de classe.
Desde 2018, os ventos da evolução mudaram o formato das nuvens. O Partido dos Trabalhadores, que começou com a consciência de classe, reuniu-se em torno de um grande líder carismático, que fazia piada homofóbica e falava e agia igual ao povão. Condenado e preso, a defesa de sua honra passou a ser a prioridade do Partido. Aí aparece um político sem rabo preso, sem partido, ideias opostas, mas paradoxalmente carismático. Não importa o que se diga do do atual presidente: o que importa é que ele come cachorro quente na barraquinha do Zé.
Na média, o homem comum não tem emprego público, não lê livros e não fica em casa na pandemia. Não gosta que falem de sexualidade na escola. Se tem um filho, uma filha, gay, pede discrição e se não adiantar, se resigna, deixa que a mulher resolva. O mundo não é justo, nem pra ele, nem aos diferentes, mas é suportável. Confortável, só pra quem fica em casa na pandemia. É cruel admitir, mas o fato é que o presidente da República, que chama gay de boiola e sapatão, conclama o homem comum aos riscos da vida, e o homem comum o entende.
Enquanto isso, os progressistas que tomaram o poder ao longo das décadas, se preocupam com saúde, bem-estar e vida longa. Assumiram causas nobres, é verdade, e não se lhes tire esse mérito humanitário e civilizatório. O homem comum reconhece a importância do SUS, da escola pública e até acha graça na passeata gay. Mas me arrisco a dizer que todas as justas causas pela inclusão da maioria e em defesa das minorias podia ter sido feita sem o alarde pedagógico que irrita o homem comum. Ele entende tanto de socialismo identitário quanto um universitário entende de liberalismo econômico.
Isso não impedirá a disseminação da nova esquerda, que é um amálgama entre a defesa de causas populares com narrativas sofisticadas de fundo arcaico entre o bem e o mal. É um PT virando um PSOL e não há o que fazer contra o curso da história. A classe operária se diluiu na massa, fez o seu papel e dá lugar aos diferentes, que vão se misturando e tornando o mundo mais colorido. O homem comum não vai rejeitar isso. Só quer um tempo pra pensar, olhar pras nuvens e admitir que o mundo é assim mesmo: tu olha, ele tá de um jeito e quando tu vê, já é outro. Segue o curso.
Atualmente, trabalhador e empresário não brigam, militares plausíveis lideram missões de paz, juízes são “comunistas” e o Papa também! E o “Auxílio Emergência” vem de um ministro “neoliberal” e de um presidente “fascista” e é mais generoso que o “Bolsa Família”, a marca do PT que bombou a economia brasileira, aplaudido por pobres, trabalhadores e capitalistas. A nova direita ainda precisa crescer pra merecer uma análise digna de tal atenção. Por enquanto é tão indefinível quanto o Partido Novo. Certo mesmo é que as coisa mudam.
Quem diria que a “Globo lixo” se tornaria o último reduto dos progressistas que a criticavam, mas não perdiam a novela depois do Jornal Nacional. O homem comum sempre foi mais tolerante e pragmático: não gostou, muda de canal, vai pra Record. E, de repente, o Boulos aparece no segundo turno da cidade que elege os presidentes “comunistas”. Com sorte, perderá e será o candidato a presidente ao lado de uma gaúcha bonitona e moderninha, de uma nova esquerda se conformando no céu.
Todas as previsões serão nuvens passageiras, mas não custa arriscar: o presente e o futuro estarão frente à frente. O presidente Jair Bolsonaro estará lá, se Deus quiser, com uma economia em recuperação. Do outro lado, uma nova esquerda que não será o poste do Lula. E, no meio, contemplando as nuvens, o homem comum, sua mulher, seus filhos e amigos. Ele quer entender o que os dois lados dirão, mas também quer ser entendido. Nisso, o presidente Bolsonaro foi mais safo há dois anos. Ainda estamos nos acostumando, jovem democracia brasileira: quem decide a história é a massa e quem quem sabe pra onde o vento sopra não é mais o intelectual engajado, é o homem comum.
*Dr. Walter Birkner é sociólogo