Num crepúsculo de um dia qualquer


Foto: Tela O Semeador, de Van Gogh/Divulgação

As sombras da noite ainda não chegaram. Mas ainda haveria raios de sol, se sol houvesse nesse dia.

Ouvindo as músicas que entram na alma. As clássicas de outros tempos que extasiaram multidões embevecidas. Sinfonias e Concertos dos mestres da música. Porque elas me aquecem, me envolvem, me transportam. Fazem parte da minha tristeza. E ajudam-me a tornar o meu dia menos triste.

Ignorá-las é ignorar “A Monalisa” de Da Vinci. É não gostar das “Meninas” e das “Bailarinas” de Renoir. É não existir com “O Semeador” de Van Gogh. É não sentir Margot Fonteyn, Ana Botafogo, Alicia Alonso, Niedjinski ou Barishnikow dançando “O Quebra Nozes”, “Giselle”, “Pássaro de Fogo” ou o “Lago dos Cisnes”. É esquecer que existe “O velho Mar de nossas praias solitárias”. É desconhecer o “Deus, Oh! Deus, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrelas tu te escondes, embuçado nos céus?”

Para mim tudo isto é uma aliança de enlevo. Nas espirais dessas melodias, eu estendo meus tentáculos, tentando alcançar o Alto. Às vezes eu me sinto para além do teto do mundo e me vejo pousada em alguma estrela, acenando para as nuvens que passam por perto.

E o tombo é enorme quando a melodia finda ou alguém me arranca lá do alto para saber de coisas que me parecem tão tolas e vulgares no momento. Então retorno ao real, ao dia-a-dia. Mas, apesar do tombo, em deslumbramento continuo.

Fico a deslizar como seixos que rolam rio abaixo, na força da correnteza. E, ao ir deslizando sinto a música saindo de meus poros, de meu respirar, de minha mente.

E é nesse estado de espírito meu que eu não entendo como há pessoas que não apreciam esta verdadeira música.

E existem as valsas de Strauss. Que tão populares já foram. Ouvindo-as valsamos nos céus. Pena ser um céu que se tornou plúmbeo novamente, depois de azular-se nesta manhã. Eu não queria escrever para ficar apenas voando … voando …  Meu êxtase interior precisa ficar grafado. Pena é que eu não consiga transmitir o meu estado da alma. Flano em nuvens. Pássaros acompanham-me. O sol tem magia.

E o local onde eu me encontro é um imenso salão em Viena. Muitas luzes e cristais faiscantes. E valso com ele. O vestido é imenso, é uma nuvem e rodopia, rodopia, rodopia. Ele não veste o negro que os outros vestem.  O seu traje é todo branco. Sem medalhas. Sem brasões. Assim como o sinto é o mais belo. Não consigo vislumbrar seu rosto. Mas seus braços sustentam-me em tantos círculos no ar e no chão que eu o sinto forte. É alto, sei que é alto, porque preciso elevar minha cabeça e os meus olhos ao encontro do seu olhar que é magnético. Tantas pessoas ao redor. Valsando, valsando, valsando …

De repente estamos rodopiando nos jardins, avançando para a rua, para o campo, para os bosques. Como se tudo fosse um voo. Afinal são os Bosques. E são Contos. E estamos em Viena.

Paro para ouvir e voar até as nuvens. Lá eu ficarei esperando que ele passe outra vez. Estou a espera dele.  Sempre. E ele sabe que eu o espero. Talvez esteja até aqui, a meu lado, e eu não sinta sua presença. Às vezes percebo um sussurro em meus ouvidos… Um roçar de leve em meus cabelos, um roçar de plumas. Imaginação? Talvez.

Esse meu amigo, meu outro eu de tantas vidas, talvez, de tantos desencontros, fica tentando conduzir-me através dos tempos. Para estes sonhos poéticos, eternos, sem fim como o infinito.

É tudo belo demais. E eu sonho e sonho. E voo. Agora o eclipse. O ocaso. O fim. A espera de outros sonhos. Sempre coloridos. Porque eles serão sempre coloridos, os meus sonhos.

 





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