Na Veneza dos Doges e dos canais


Contornamos muitas cidades, muitas vilas, muitos riachos

 

 

 

Fora uma exausta manhã a minha última manhã em Verona. Finalmente estava bem acomodada em uma confortável poltrona, de onde podia vislumbrar incríveis paisagens através da panorâmica janela do ônibus.

 

 

 

Partíamos rumo a Veneza. Que fica a uns cem quilômetros da terra de minha Nonna Thereza. Contornamos muitas cidades, muitas vilas, muitos riachos. As montanhas num perdido horizonte, num norte distante.

 

 

 

Mescladas e variadas as plantações. Sempre com bosques entre elas. Sempre maciços de árvores margeando rios e riachos, laguinhos e córregos. Girassóis colorindo em amarelo-sol espaços infindos em ambos os lados da bela autoestrada. Ainda e sempre a colheita do feno e os fardões, que como imensos rolos, amontavam-se pelas propriedades margeantes.

 

 

 

Parreirais que se estendiam sem parar. Agora aguardando pela próxima vindima. A região do Vêneto é famosa pela produção dos melhores vinhos da Itália. Não dá para esquecer o sabor dos vinhos que nos serviram em Verona. E lá estavam elas, as parreiras, talvez, de origem milenar, a se estender pelos vales e colinas exibindo seus frutos ainda a caminho do amadurecimento.

 

 

 

 

Também pastagens a se perder de vista. Imagens inesquecíveis de robustos espécimes de gado bovino a se mover entre elas. Os mais variados e famosos tipos de queijos que lá são produzidos. E a fantástica criação de suínos. E uma apreciada produção de presuntos como iguais não há.

 

 

 

Pomares das melhores frutas desfilavam pelas laterais da rodovia. Pessegueiros, macieiras, pereiras, ameixeiras, nespereiras e toda uma gama variada daquelas que são típicas das regiões frias do planeta. Frutas que podiam ser apreciadas em todos os hotéis no café da manhã. Um néctar a nos deliciar no começo de cada dia.

 

 

E então começamos a trafegar em um labirinto de viadutos e anéis. Porque rodovias de todos os lados, já nos arredores de Veneza, se cruzavam. Estávamos adentrando Veneza Mestre. A Veneza Continental. E diretamente ao cais de um porto fomos conduzidos. Em meio a um labirinto de ônibus de turismo deslocamo-nos até conseguirmos chegar ao ponto onde um vaporeto nos esperava.

 

 

 

Não conseguirei jamais entender a correria de todo mundo para, no mais rápido espaço de tempo possível, conseguir tomar seus lugares no compartimento que ficava abaixo da linha do embarque. Claro que eu fui a última a entrar dentro do exíguo compartimento onde enfileiravam-se bancos, duros bancos, já quase lotados.

 

 

Grande Canal

Veneza ao longe. A Veneza que eu conhecia. Porque da primeira vez que lá estive o trem nos deixou às margens do Grande Canal. De onde fácil foi nos locomovermos para a Praça São Marcos.

 

 

 

Desembarcamos, depois de um longo trajeto sobre águas furiosas. E então as ordens, ops, as explicações de nossa guia de turismo, de como seria o caminho a tomar e a hora em que, naquele ponto, deveríamos, pontualmente, estar para tomarmos o vaporeto de retorno.

 

 

 

O nosso primeiro destino era um restaurante. Antecipadamente já sabíamos o valor de nosso almoço e as escolhas do cardápio que estaria à nossa espera.

 

 

 

Disse-nos a nossa simpática condutora que atravessaríamos apenas cinco pontes até o local reservado para saciarmos nossa fome. Já passavam mais de cem minutos do meio dia. E o café da manhã tinha sido às sete da matina. Bendito sorvete que eu tomara na Praça Bra, ainda em Verona, enquanto, descansadamente, aguardava o momento de tomarmos os veículos que nos deixariam em Veneza.

 

 

 

Desde a noite anterior, em Verona, muitos amigos eu já fizera. Então a cada subida, esperavam por mim. Subida, direis? Sim! Subidas. As pontes não são meras pontes ao nível das ruas. Todas, sem exceção, elevam-se a partir da base fazendo uma curva sobre as águas abaixo, permitindo, assim, que barcos passem sob elas. E muitas subidas eram longas e íngremes.

 

Vaporeto

 

Quando nos aproximávamos de Veneza, ainda dentro do Vaporeto, notavam-se multidões a andar pelas ruas que margeiam os cais. Parecia uma procissão, uma passeata. E agora eu me via, dentro desta imensa coluna de pessoas num ir e vir sem parar.

 

 

 

De repente, em uma das pontes, foi difícil amparar-me junto ao corrimão da balaustrada. O mundo ali parado a olhar, embevecidamente, a filmar, a fotografar uma pequena ponte que a pouca distância se via. Era uma visão externa da Ponte dos Suspiros, a ponte que levava os condenados do Palácio dos Doges ao patíbulo da morte, distante alguns meros apenas. A ponte de que falo em meu livro “A Europa pelo meu olhar”. A ponte que, pelo lado de dentro, eu já havia visto também.

 

 

 

 

E assim, escalando e descendo pontes, finalmente, a uma das infindáveis vielas chegamos. Por ela passamos e logo o restaurante aparece. Imenso salão com mesas para oito ou dez pessoas já postas. E pressurosos garçons mostrando-nos as opções programadas pelos 25 euros, anteriormente divulgados, dentro do ônibus, por nossa guia. Claro que eu fiquei apenas no talharim com molho da casa. E o inestimável pão regado em óleo de oliva. Mas, do pacote vinho e água faziam parte. Trinta e seis graus à sombra e depois da íngreme corrida de mais de mil metros, quem tomaria vinho? Cerveja de pressão bem gelada. Que deveria ser paga à parte. Mesmo deixando de lado o segundo prato e a sobremesa, os vinte e cinco euros mais o valor da cerveja de pressão estavam na nota que eu deveria pagar. É o preço Veneza!!! Que se paga com prazer.

 

 

Praça São Marcos

Escalar e descer mais algumas pontes e eis-nos em plena Praça São Marcos. De onde alguns interessados partiriam para ver e admirar o que mais lhes interessava.

 

 

 

Na programação constava uma visita a Murano. Onde se esculpem maravilhas em vidro! Imaginava eu que tomaríamos um barco para irmos até a Ilha de Murano. Descobri depois que se tratava apenas de uma breve visita a uma loja e oficina onde se faziam demonstrações dessa arte milenar de se transformar vidro em peças coloridas e maravilhosas.

 

Ilha de Murano

 

Enquanto o grupo disseminava-se por entre as vias e vielas, visitava a Basílica de São Marcos e do alto de sua torre extasiar-se-ia com o imenso panorama a perder de vista, eu fiquei satisfeita apenas em perambular por ali.

 

 

 

Barraquinhas amontoavam-se oferecendo de tudo a turistas que por elas se amontoavam. Eu queria apenas um chapéu de gondoleiro. Que desta vez veio com fita preta. As coloridas esgotaram-se.

 

 

 

Imprescindível rever esta praça. Ouvir o som das orquestras. Uma em cada um dos cantos. Seria cedo demais? Não as ouvia. Nem as via. Alonguei meu olhar para os quatro cantos. Atravessei o grande espaço lotado de pessoas a circular, com coloridas barraquinhas, com pombos a revoar, com milho ainda sendo jogado em nuvens…

 

 

 

Ouvi o som de um piano… de um violino… parecia-me que solavam “Garota de Ipanema. Aproximei-me. O que restava das grandes orquestras? Dos músicos que se vestiam com summer, com mulheres em trajes sociais a tanger harpas? Agora apenas um conjunto musical, com poucos componentes e a algaravia em redor a empanar o brilho da música.

 

 

 

Acomodei-me para melhor sentir a praça, para melhor ouvir os sons, para melhor olhar no entorno. Pressurosos garçons logo acorrem. Peço apenas um café expresso. Que vem em elaborada xicarazinha de porcelana. Com um mini biscoito. Com muitos envelopes de adoçante e de açúcar refinado. Com uma profusão de mini guardanapos de papel. Com um fino copo de água gelada depositado sobre um pires. E tudo sobre uma bandejinha de prata. E a nota. Dois mililitros de café. Seis euros. O café mais caro que tomei na vida… Tomei-o, como se fosse em conta gotas.

 

Basílica de São Marcos

 

Olhava para a Basílica de São Marcos. Imponente quase à minha frente. Não, não iria galgar aqueles degraus todos para desfrutar da estonteante paisagem que lá do alto se vê.

 

 

Perto o palácio dos Doges de Veneza. A relembrar romances de aventuras lidos ainda na adolescência. Tudo o que eu já havia visto das outras vezes em que lá estive. E que também conto no livro em que falo da primeira vez que por lá andei.

 

Palácio dos Doges

 

O céu que até então era azul, subitamente de grossas camadas de negras nuvens se cobre. Então encetei o meu caminho de retorno, atravessando pontes e mais pontes, em busca do ponto onde encontraria o nosso grupo.

 

 

 

No caminho deparo-me com uma loja maravilhosa, ostentando nas vitrines os famosos vidros coloridos de Murano. Obras de arte de todas as formas, de todos os tamanhos. Mais um enfeite, como se fora peso para ser colocado sobre papéis eu adquiri para enfeitar minha estante. Para lembrar-me daquele que tínhamos em casa, trazido de lá por minha Nonna Thereza quando aqui aportou.

 

 

 

E então as águas, com violência, desabaram sobre Veneza. Garçons apressados recolhiam tendas, recolhiam mesas, recolhiam cadeiras antes que o vendaval as fizesse tomar desconhecidos rumos pelos ares.

 

 

 

E debaixo deste aguaceiro entramos em nosso vaporeto. Debaixo deste aguaceiro desembarcamos em Veneza Mestre e tomamos o ônibus que em nosso hotel nos deixou.

 

 

 

 

Ao jantar, saboreando as mais apetitosas massas italianas, acompanhadas de uma revigorante taça de vinho, rememoramos, entre um grupo de novos amigos, as peripécias do dia.

 





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