Médico, você vive histórias…


Pintura: “MÉDICO”, de Samuel Luke  Fildes, 1891

Dezoito de Outubro tem seu dia marcado no calendário dos santos como o dia de Lucas. Lucas, o Médico de Homens e de Almas. Lucas, o Evangelista que não conheceu Jesus, mas, que dele teceu as mais belas páginas do Evangelho. Lucas que só chegou à Galileia depois que o Mestre já havia partido. Mas Lucas conheceu Maria. Lucas conheceu outros personagens que conheceram o Mestre e das narrativas de todos eles redigiu os memoráveis textos que são a crônica da época de Jesus.

E Lucas era médico. Vagava nos navios que singravam o Mediterrâneo levando a cura a milhares de seres angustiados que por ele aguardavam em todas as costas de todas as ilhas e de todas as terras.

E o Dia de Lucas é o Dia do Médico.

E foi num Dia do Médico de um mil e novecentos e setenta e quatro, que o Jornal “Barriga Verde” publicou um texto que escrevemos a quatro mãos. Um texto cheio de poesia que só teria sido possível com a pena de Isis Maria Baukat entrelaçando-se em todas as linhas, em todas as frases.

E hoje o transcrevo aqui.

É a homenagem a tantas e a tantos a quem devemos tanto.

 

“MÉDICO, VOCÊ VIVE HISTÓRIAS…

 

Assim:

            Os longos corredores, imensos, infinitos como a dor que passeia seu corpo sem fim…

            As portas fechadas, enjaulando angústias.

            O silêncio fundo, doído como o grito de dor inumano que grita lá fora.

            Tudo quieto, debruçado, como se a espera de um milagre que poderá vir… e  poderá não vir.

            Neste chão triste você chega para trazer soluções e esperanças.

            Neste chão triste você planta, de novo, a semente vital para o

 ressurgimento de sorrisos e crenças já esquecidas.

 

Ou assim:

            Madrugada. Silêncio. Um silêncio maravilhoso de sonhos, de sono bem dormido. Um silêncio livre.

            E a batida na porta, ou o insistente telefone e o despertar brusco e mil vezes repetido… e o espectro da dor outra vez aguardando lá fora…

E o apelo, de novo. E a súplica, de novo, e de novo os seus passos rumo aos longos corredores imensos, cheios de penumbras…

 

Ou ainda assim:

            O frio intenso, gélido, ou o calor sufocante dos nossos verões, ainda irão encontrar você debruçado sobre o sofrimento do estranho, a neurose do estranho, a queixa ininterrupta do estranho, renovando palavras antiquíssimas de apoio para suavizar dores. E você é o sempre disponível, o sem horários, o incansável.

            Você é a imagem exata, exatíssima, do fazedor de mágicas quando chegamos com nossa fragilidade e nossa ignorância para pedir o toque redentor desta varinha de condão que nesta hora só você tem.

 

… e assim

            Você se prolonga na vivência de mil histórias, mil circunstâncias, mil horas.

Escrevo com a alma, por um momento cheia de memórias, e envergonhada de tão longo silêncio.

Escrevo com as mãos simples e calejadas do seu povo.

Escrevo com a intenção de fazer você sentir com flores as palavras, flores colhidas no jardim imenso que você, tantas vezes, nos tornou aptos para cultivar.

Escrevo com os olhos reverentes diante da grandeza que você representa e é, nesses anos todos em que nos leva pelas mãos, saudáveis e renovados, até a seara, à fábrica, à escola, ao escritório, ao lar, para que aprendamos o caminho do fraterno.

Esta carta, com cheiro de terra e marca das nossas raízes, nada mais deseja ser senão o abraço, o carinho, a gratidão de seu povo. Do seu povo tantas vezes hostil e tantas vezes injusto.

É o abraço, sim, doutor, é o abraço. O abraço que você sempre mereceu e que tão raro vinha.

É o carinho, sim, doutor, é o carinho. O carinho que às vezes deixamos de demonstrar, porque você nos parece tão atarefado ou tão cheio de preocupações…

É a gratidão, sim, doutor, é a gratidão. A gratidão que você pode supor distante do coração enrijecido do seu povo, mas que chega para você no momento esperado. Chega, às vezes, tão calado, este nosso reconhecimento, que você nem consegue percebê-lo.

Mas, ele existe sim, e nós o sabemos muito bem.

E ele existe, sim, simplesmente por você existir e ser quem é.”





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