Filomena e seu sonho (I)


Pelas estradas poeirentas e barrentas a jovem Filomena e seus pais viajaram dias e dias seguidos, na cabine do velho caminhão que, na carroceria, levava os seus poucos pertences.

Vinham desiludidos das intempéries que os fustigara para fora de suas terras lá do alto noroeste dos rincões de um estado rico e pujante. Intempéries desencadeadas pela fúria de muitos que os desagregaram das terras que desde sempre de seus pais e dos pais de seus pais tinham sido.

Instalaram-se em uma gleba de terra adquirida com o pouco que sobrara de seu intenso e laborioso viver. E reviraram a terra e nela espalharam as sementes de um novo tempo.

Era um pedaço de chão, longe de tudo, onde conseguiram criar o gado para o leite, as galinhas com seus ovos e cobrir de verde todos os pedaços em um chão carregado de hortaliças.

Outros colonos foram nos arredores se instalando. E um pequeno povoado teve início. Com muitas crianças precisando aprender a ler e a escrever. E a fazer contas. E quem, ali, poderia ensinar?

Foi assim que Filomena se apresentou. De onde vinham havia feito o curso para ser professora. E apegada a seus livros, jamais deixou de ler. Mesmo à fraca luz de vela, mesmo à fraca luz de um lampião.

E ensinando crianças e ajudando os pais no amanho da terra Filomena passava os seus dias.

Mas sentia que algo não estava certo naquela perdida colônia do extremo oeste. Em seu íntimo sempre achava que mais poderia e mais deveria fazer. Não aceitava que as pessoas que compravam os produtos da lavoura, produtos advindos do árduo trabalho dos colonos, e que levavam para revender em cidades maiores, nem tão longe dali, tivessem um ganho muito superior aos que de sol a sol e sob as mais diversas intempéries os plantavam e os colhiam.

Assim pensando buscou em livros, jornais e revistas o conhecimento necessário sobre os ganhos e as perdas e as compras e as vendas das coisas da vida do campo. E um dia, em uma reunião, na escolinha, com os pais das crianças, propôs a formação de uma associação que congregasse todos os pequenos agricultores da região. Para que, unidos, conseguissem melhores preços para o fruto de seu trabalho. Para que, unidos, conseguissem adquirir, em grande quantidade e por menores preços, os insumos necessários.

Elegeram a primeira diretoria e, é claro, o cargo mais oneroso, mais difícil, o de presidente, coube a Filomena. Que, em inúmeras vezes fez o papel de secretária e de tesoureira e de oradora também. E logo conseguiu manter contato com associações iguais que vicejavam nos arredores.

E o pequeno povoado, a poucos quilômetros da propriedade da família de Filomena, só fez crescer. E virou uma vicejante vila, logo transformada em sede de um novo município.

Nesse tempo os sindicatos de pequenos produtores rurais já começavam a vicejar e a se fortalecer. E Filomena, mais uma vez, lá estava a incentivar para que, em sua terra, logo se formasse, também, um braço do sindicato estadual. E para que as coisas evoluíssem, como seria desejável, Filomena começou a frequentar as reuniões e os cursos das associações regionais.

Assim, cada vez mais conhecimentos ela foi adquirindo. E não se conformando, ainda, com o pouco que sobrava para quem cultivava o grão, produzia o alimento, cuidava do gado, criava galinhas. E foi além em seu sonho. Quis formar em sua terra um núcleo inicial de uma pequena cooperativa de produtores rurais.

Viajou muito, mais cursos neste setor foi fazendo, para logo conseguir viabilizar esta maravilhosa força de mercado para os frutos da lavoura, dando a cada um conforme as suas obras.

Muitas águas já haviam corrido desde os dias da viagem de sua família pelas barrentas e poeirentas estradas até plantarem sua bandeira nesta nova terra. Os pais já nem mais trabalhar conseguiam. O tempo e a vida os marcara. Filomena precisou de pessoas outras que deles cuidassem, bem como de sua lavoura, para melhor se dedicar ao seu sonho.

Mas ela não esmorecia. Tirava forças de seu íntimo que nem ela sabia como e nem de que galáxias vinham.

E com os companheiros e colegas formou o primeiro escritório que, no sistema cooperativo era chamado de Seccional e, diretamente ligado à Federação das Cooperativas de Pequenos Produtores Rurais.

Como Filomena presidia ainda a Associação não achou certo ser ela a coordenadora da nova seccional. E pediu a outro amigo e companheiro que ficasse à testa do escritório local da cooperativa.

Filomena era avessa a ser dona de suas realizações. Preferia ser, tão somente, uma agulha a guiar os fios que iriam colorir os tecidos bordados.

(Continua)





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