Fandango de São Gonçalo


Foto: Fandango de São Gonçalo realizado em Canoinhas/Arquivo

        No Primeiro Festival de Folclore Escolar realizado no mês de junho de mil e novecentos e setenta e cinco em Canoinhas a Escola de minha vila apresentou o Fandango de São Gonçalo. Não uma dança folclórica qualquer. Não um bailado suntuoso. Uma dança simples, uma dança que retratava e retrata ainda o mais puro de nosso interior. Não um fandango qualquer, o Fandango de São Gonçalo.

Baseando-se na obra “Cultura Popular Brasileira” de Maynard Araújo e nos relatos e orientações do povo da localidade do Parado, dali da periferia de nossa vila, onde eram realizados os maiores Fandangos da região, montada foi a apresentação.

Nos fins do século dezoito esta dança já estava muito em voga em terras brasileiras. Animava até festas palacianas ao lado de minuetos e valsas. E dançava-se de várias maneiras, como o fandango batido, que conhecido também como rufado, o fandango bailado ou valseado e o fandango se dança valsando e batendo o pé.

Em nosso interior o fandango é um cerimonial realizado com a intenção de se pedir uma graça ou de se pagar promessas.

E os violeiros e cantadores, gente simples que do trabalho do campo vive, deixaram seu reduto encantado e foram até a escola para que alunas e alunos apreendessem e aprendessem os passos, a batida e os volteios desta instigante dança folclórica.

A coreografia foi montada por Odel Freitas, Zilda Hatschbach e Adelheidt Leber, professores que lá trabalhavam. Os trajes, que eram simples, muito simples foram providenciados pelas famílias dos alunos.

Para os garotos, calças de brim riscado, camisa xadrez de algodão e um lenço ao pescoço. Para as garotas, longos vestidinhos de chita, floreados, de ampla roda e esvoaçantes babados.O calçado, um tamanquinho com solado de madeira.

E o fandango apresentado foi o Fandango de São Gonçalo, tal como era e é dançado em nossa região, como era e é dançado, ainda hoje, nos confins de nossa vila.

E o fandango para ser fandango deve, obrigatoriamente, apresentar a parte religiosa e a parte profana.

O cenário é modesto. À frente, uma simples mesa, coberta com alvíssima toalha. Sobre ela a imagem do santo, a imagem de São Gonçalo, dentro de uma capelinha adornada com fitas e rodeada de flores e velas. Ao longo as pequenas lamparinas de azeite e suas débeis luzinhas, num lusco-fusco, apenas como um demarcar de vida.  Ao lado, os devotos, em profunda meditação.

Ao compasso e no embalo da melodia que sai pelas mãos dos violeiros e pelas vozes dos trovadores, dirigem-se à mesa que é o altar, dançando o rufado, batendo no chão os seus tamanquinhos com solado de madeira.

Jamais voltando as costas para o altar, os devotos a ele se dirigem e ao fundo retornam, por diversas vezes, sempre ao som da pungente e lamentosa cantiga, sempre ao som do pungente e lamentoso trinado das cordas dos violões.

E então chegada é a vez das meninas, que são as damas, as devotas. Que o mesmo ritual repetem. Mas a sua dança não é o rufado, não é o sapateado. Agora é o bailado, o valseado que elas fazem com graça, rodopiando, no ir e vir, as longas saias de chita.

Em silêncio e meditação, as graças vão sendo pedidas a São Gonçalo. E em silêncio e meditação agradecem as recebidas.

Quando o cerimonial religioso se encerra tem início o Grande Fandango ou o Fandango que é a parte profana.

A dança é uma espécie de quadrilha. Mas a compenetração, o silêncio e a seriedade permanecem iguais, com os garotos, os mancebos, dançando o rufado, batendo os tamanquinhos e as meninas, as damas com o bailado valseando. Depois, depois é a hora do baile, mais animado já, com os pares dançando. E sempre ao som dos violões e das vozes dos trovadores.

Era um Festival de Folclore Escolar. E havia um júri. E havia jurados. Até com professores de outras cidades. E a nossa Escola nem menção honrosa recebeu.

Talvez até cínicos risinhos pela apresentação de uma dança tão modesta, tão sem significado. Uma dança sem frufrus, sem brilhos, sem lantejoulas, sem pompas, sem clarinetadas, sem pandeiros, sem castanholas, sem coloridos mil, sem algazarra, sem mirabolantes luzes, sem …

Mas uma voz dentre os jurados se levantou. A voz de uma professora de folclore de uma cidade vizinha. A voz que para a nossa escola dera nota máxima. E, justificando sua nota ela falou nunca ter visto e jamais imaginado que crianças de uma escola de uma pequena vila fizessem uma tão genuína apresentação para uma das danças mais tradicionais dentre os povos simples da terra.

E foi esta a voz que fez com que os alunos e os professores e minha irmã Avani, que era a diretora da escola de minha vila, a “EscolaManoel da Silva Quadros,” se sentissem como se o prêmio máximo tivessem recebido.

 

 

 





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