Entre tintas e pincéis


Obra de Alvanir Vieira/Arquivo

Sobre dois grandes artistas locais

 

 

 

Deparar-se com a imagem de seus sonhos e eternizá-la na pedra ou em um pedaço de madeira é uma das manifestações mais antigas de arte a perpetuar-se através dos séculos.

 

 

Desenhos rupestres, expostos em museus ou encontrados ao ar livre, sobre recantos lisos entre rochas escarpadas, ou em tetos e paredes de grutas e cavernas, são a prova de que o talento artístico é parte integrante da humanidade.

 

 

 

 

Mestres destas priscas eras mais antigas legaram-nos imagens das coisas que viam, faziam, viviam. Símbolos, sinais, traços a definir o corpo humano em movimento, a andar, correr, dançar, nadar… Animais, árvores, o fogo, a água. Alguns até coloridos carregados de pigmentos retirados de plantas, talvez. Pedras com gravuras em relevo. Pedaços de madeira com desenhos feitos a fogo.

 

 

 

Não, não há intenção de contar a história das artes plásticas através dos milênios. Fácil, muito fácil, nos dias de hoje, acumular conhecimentos nos ramos que mais se queira ou precise. É só saber qual botão apertar e entrar no ciberespaço.

 

 

 

 

Eu só queria contar a vocês dos tempos que eu sei sobre esta arte em nossa terra.

 

 

 

Desde pequena eu via, a cada fim de ano, as paredes de nossa casa cobrirem-se com mais e mais telas pintadas por minhas irmãs Aline e Avany. Que foram entronizadas nesta arte, primeiro por Irmã Maria Ancila, que era uma artista inata e consagrada. Ao ser transferida para outro convento foi substituída por Irmã Maria Cacilda.

 

 

 

Não poderia ser diferente. Quando eu tinha 10 anos e fui estudar, como aluna interna, no Sagrado Colégio, logo fui apresentada às cinco cores fundamentais, em tubos de tinta a óleo, a pincéis e telas.

 

 

 

Irmã Maria Cacilda era a mestra da sala de pintura. Gentil, amiga, dócil. Sempre achava lindo tudo o que nós, pequenas principiantes da arte de Rénoir, borrávamos nas telas. Que ela, mansa e meticulosamente, corrigia ensinando-nos o como fazer. Mostrava-nos o caminho das luzes e das sombras. Das proporções e das distâncias. Meticulosa.

 

 

 

 

Copiávamos gravuras de cartões postais vindos da Suíça e da Áustria. Árvores nada conhecidas por aqui, sobre terrenos nevados. Ou palmeiras debruçadas sobre a areia em paisagens nordestinas, Que eu amava pintar.

 

 

Quadriculava-se a tela e a imagem que seria copiada. E nos mínimos detalhes nossos quadros iam saindo. Mas nunca cheguei perto das pinturas de minhas irmãs.
Avany tinha um caderno de desenho que eu, bem escondido, levei uma vez para o internato. Só para exibir para as colegas a arte de minha irmã. Em crayon, naquele caderno estavam verdadeiras fotografias de famosos artistas da Hollywood de então, como Tyrone Power, Rita Hayworth, Diana Durbin, Judy Garland e até das princesas Elizabeth e Margareth da Inglaterra.

 

 

 

 

Fui criada entre tintas, telas e pincéis. Mesmo jamais tendo saído de minhas mãos algo artístico, pequenos quadrinhos eu levava comigo para enfeitar as paredes do pensionato e lugares outros onde morei em meus tempos de estudante em Curitiba. E minhas colegas levaram-nos como suvenir. Com minha anuência. Amigas são assim. Sempre acham bom e belo o que você faz.

 

 

 

Claro que eu sabia das minhas limitações na arte de Da Vinci, Donatello, Rafael ou Michelangelo. Meus caminhos eram outros. Mas a paixão pela pintura nunca me deixou. Tínhamos um grupo eclético de amigos que, depois das dezoito horas e, aos sábados à tarde, reunia-se na Galeria Cocaco, um pequeno centro de arte que ficava exatamente na mediatriz entre a Policlínica, onde eu tinha aula, e o local onde eu morava.

 

 

 

Poetas, pintores, músicos, jornalistas, escritores a esquecer das agruras do dia em transcendentais papos que alcançavam as esferas. Telas nas paredes, esculturas nas mesinhas espalhadas a esperar pelos nossos comentários. Foi um tempo lindo. Era um oásis dentro das tristes histórias vividas dentro da Santa Casa de Misericórdia e ou Hospital de Crianças.

 

 

As galerias de Santos, quando na Santa Casa de lá fiz minha residência apresentavam acervos magníficos. Mas, para mim, eram desprovidas de vida. Os amigos de antes lá não se encontravam para aquelas histórias compartilharmos.

 

 

Obra de José Ganem Filho

E então voltei para a minha terra. E conheci o José Ganem Filho. Para mim o sempre Zezé. Mostrava-me um caminho diferente da arte da pintura. Inventava técnicas.
Impregnava cartolinas com desenhos fantásticos.

 

 

 

Em um certo dezembro pedi a ele que me fizesse cartões de Natal. Passou a mão em recortes de cartolina e aquarelou-os, em mágicos instantes, em tons pastéis de verde e vermelho natalinos. Que enviei para o mundo neles se extasiar.

 

 

Obra de José Ganem Filho

 

Já falei muito sobre o meu amigo artista e bancário Zezé Ganem em um texto anterior já publicado no meu primeiro livro, O Meu Lugar.

 

 

 

 

 

Ganem realizou algumas mostras e exposições de pinturas em nossa cidade. Talvez a mais importante foi a que fez em uma das salas do prédio do Planalto Hotel. A Corporação dos Bombeiros, recente ainda em nossa cidade, colocou, do lado de fora do edifício uma longa faixa que caía em vertical, promovendo a exposição. Exposição que, por antecipação, já vendera toda a coleção exposta. Houve críticas. “Não foi para estender faixas de uma certa exposição de um pintorzinho, que temos em Canoinhas um Corpo de Bombeiros.”

 

 

Obra de José Ganem Filho

Quando o Departamento de Anestesiologia da Associação Catarinense de Medicina realizou, no Itapema Plaza Hotel, uma Jornada para os membros de nossa especialidade, solicitei que, em uma das salas, pudéssemos expor uma coleção de suas aquarelas. Levou uns quarenta quadros. Ou mais. Vendeu todos aos meus colegas.

 

 

 

 

 

Sei que há muitos mestres da pintura em nossa região. Porque as Irmãs Ancila e Cacilda descobriram centenas de talentos desta arte entre nós.

 

 

 

Mas também existiram aqueles talentos inatos que per se procuraram imiscuir-se entre telas, tintas e pincéis. Destes quase anônimos guardo a lembrança de um em especial.
Quieto, introspectivo, como tantos artistas são. Expôs algumas vezes seus quadros por aqui. Lembro-me dele sempre sorridente. Uma vida de agruras amenizada pela arte. Que o envolvia em todas as horas possíveis de seu exaustivo viver.

 

 

 

 

Algumas mostras individuais ou com outros pintores marcaram sua trajetória artística entre nós.

 

Obra de Alvanir Vieira

 

 

Era ele Alvanir Vieira. Que desde jovem imiscuía-se, a sós, entre tintas e pincéis, buscando colocar em suas telas as palavras que guardava só para ele.

 

 

 

 

Não teve um mestre e nem frequentou uma escola de pintura. Foi autodidata. A arte estava em seu âmago. Já viera pronto. Era só depositar em algum plano qualquer as imagens que vicejavam em sua mente.

 

Obra de Alvanir Vieira

Estudou, como aluno interno, no Colégio São José, de Porto União. Muitos dos Irmãos que lá lecionavam vieram da Europa. Sua filha Sueli crê ter sido lá o despertar de seu talento. Que aqueles professores perceberam sua arte inata e mostraram-lhe o caminho.

 

 

 

Entre aquarelas sobre cartolinas e outros elementos e óleo sobre telas inundou as paredes de sua vivenda com mais quadros que os que se veem em exposições por aí. Fez experiências com múltiplas variações de pigmentos.

 

Obra de Alvanir Vieira

Há uma série de pinturas suas sob o tema da Cultura Ucraniana de nossa região. Admirava muito os ícones religiosos eslavos.

 

 

 

Suas obras não têm nome. Não costumava assiná-las também. Seu estilo é a assinatura que deixou. Inconfundível.

 

 

 

Aos insistentes pedidos dos filhos para que deixasse seu nome gravado nos quadros que pintava, modestamente, sempre lhes respondia, que não os assinava porque ainda não os concluíra.

 

 

 

 

Postou sua assinatura somente naqueles que fizeram parte de exposições.

 

 

 

 

 

Aproximadamente, 500 quadros pintados por Alvanir Vieira hoje estão espalhados pelas paredes das casas de seus filhos. Fora alguns, com os quais, excepcionalmente, presenteou a alguns amigos especiais. Jamais quis se desafazer de suas obras. Cada obra é um sofrido pedaço que se desprende do âmago do artista. E ele não poderia despojar-se dos pedaços de sua alma que os pincéis, por suas mãos, espalharam, em cores, pelos caminhos de seu viver.





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