…em um santuário de paredes brancas


Vidas e histórias vividas desenterradas do mais recôndito de cada ser que passou entre as quatro paredes de um local a que sempre chamei de meu sagrado santuário. Foi longo o espaço de tempo dentro do espaço de uma vida ali dinamicamente vivida.

Histórias dos que cuidavam do outro e da outra que naquele universo vinham para receberem cuidados.

Histórias contadas naqueles minutos ou naquelas horas em que os cuidados se intensificavam dentro das quatro brancas paredes do meu santuário sagrado.

Os que chegavam para serem cuidados derramavam suas lágrimas e os motivos de suas lágrimas naquelas horas preciosas de nosso contato, quase ouvido-a-ouvido.

Muitos dos que ali atendiam se revezavam, se alternavam e vinham cansados, muitas vezes, já de outras lutas, num continuar sem fim, sempre contando suas histórias.

E havia também os que ali estavam como coadjuvantes daquele teatro de todos os dias, naquele mesmo palco de todos os dias, naquele mesmo cenário de todos os dias. E contavam de suas agruras, de seu transitar pela vida. E lá se encontravam no mesmo horário de todos os dias cumprindo seu turno. E em cada turno outras e outros chegavam para cumprir novo turno.

E eu, ali, vendo este intermitente e contínuo desfilar de outros e de outras diuturnamente.

Todos se revezavam. Menos eu. Nesse tempo eu era só no meu mister em meu sagrado santuário.

E eu era só e por muito tempo era eu sozinha vendo lá fora o mundo rodar e o tempo passar, sempre a espera de algo para fazer.

Havia fases de uma azáfama intensa. E havia o tempo da inércia. O tempo da rotina esmagadora do nada fazer.

Mas, havia a necessidade imperiosa de estar sempre lúcida, sempre a postos, sempre disposta, sempre descansada, assim como quem acaba de acordar de um longo, repousante e inebriante sono. Porque o outro e a outra que precisariam de minha atenção e cuidados era um ser único e o seu problema precisava de alguém com os sete sentidos bem afinados. Sete, sim, porque os cinco sentidos comuns dos comuns dos mortais não seriam suficientes para o mister a que me dediquei.

E havia dias em que eu chorava junto com o outro e junto com a outra ali, na horizontal, a minha frente.

Porque a dor faz com que as pessoas sintam a necessidade do extravasamento de sua vida para quem mais perto está, para quem as ouve, para quem lhes dê atenção.

E uma vez eu lá me encontrava para anestesiar um moço que sofrera um acidente e apresentava uma fratura do fêmur. Estava ele muito inquieto. E eu via lágrimas que escorriam, em cascata, de seus olhos verdes, vertiam pelas laterais de seu rosto jovem e ficavam encharcando as suas orelhas. Enquanto chorava, contava-me de seu antebraço que quebrara ainda na infância. Que fugira do hospital, onde estava internado, só de medo de ser operado. Os temores foram nele incutidos por seu pai que ainda o incentivou e o ajudou naquela triste fuga. E, criança, sempre atendia ao pai. Tinha medo de perdê-lo, pois, nesse tempo, só tinham um ao outro. E ali estava ele, copiosamente chorando, com um antebraço sem condições de ser estendido devido à viciosa consolidação de uma antiga fratura.

E ele me conta então porque o seu pavor e o seu choro. Não era medo, agora, da cirurgia. Era o pavor pela esposa, grávida e sozinha, em uma casa sem chave. Era o pavor pela esposa ficar sem dinheiro, pois o pagamento na indústria em que trabalhava sairia naquele dia e ele não estaria lá para receber. Pediu-me que depois telefonasse aos seus patrões para que entregassem o dinheiro para a esposa.

Suas lágrimas e as contrações musculares, que só faziam aumentar a dor, foram aos poucos diminuindo de intensidade, mas tão fácil não desapareceriam. Eu havia feito um bloqueio raquidiano peridural, que sempre leva alguns minutos para o efeito total. Mas os verdes olhos do moço ali deitado a minha frente continuavam em uma angústia só, de fazer dó. E optei, então, em aplicar algo em sua veia que o fizesse dormir e esquecer… Dormiu sorrindo…





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