E o corte do verde continua…


Palmeiras, amargamente, sendo derrubadas continuam. Elas e suas irmãs de tantas outras espécies, árvores imensas, frondosas e delicadas árvores se vão pelos vãos dos dedos de vãs consciências ensoberbadas em nadar nos mares de douradas moedas.

Algo que sempre doía em mim era o som de um machado impiedoso ou de uma serra macabra a despedaçar tão amados ramos e transformá-los em restos esmagados pelo chão da terra. O impiedoso som mudou. Transformado agora em ruído de serras que se movem ao ronco de motores.

E eu sofria, desde sempre, como hoje. E em qualquer pedaço de papel eu rabiscava o meu pesar. E os encontrei, páginas amarelecidas que amigas guardaram por mim e para mim.

E ontem, como hoje, a mágoa eu sinto igual. E como eu a sentia, assim a coloco hoje aqui:

 

Eu queria escrever um poema em cores, um poema de deuses.

Eu queria escrever monumentais histórias banhadas em néctar. E sobrevêm apenas as trevas. E chegam apenas ruídos loucos.

Eu queria dizer dos sóis dourados das mansões do amanhecer.

E sei apenas das noites enegrecidas pelo ébano do tempo. Este tempo incoerente que abocanha e prende em suas garras as mais belas serenatas que teria o meu poema. Que muda os meus luminosos sons embárbaros estrondos espalhados pela imensidão dos templos já vazios.

Vazios do belo, vazios do puro, vazios para sempre. Argamassados agora pelos ecos trazidos das tormentas de outras eras.

É um invisível som compacto, vazado nas brumas descoloridas de passados negros.

E eu procuro o meu poema em cores. Porque eu queria um poema de deuses, eu queria um poema de néctar, eu queria um poema de rosas, de rosas voando ao lado das nuvens em busca dos raios mais lindos do sol.

Eu quisera encontrar um poema cheio de orvalho espelhando o azul de um céu que cantasse.

Eu queria encontrar meu poema no alto das serras, cobertode estrelas.

Eu queria escrever um poema em cores.

E neste negrume nefasto de agora eu só procuro um poema que venha dourar novamente os espaços de um tempo perdido nas profundezas sem luz

Um poema que venha trazer para os ecos do ocaso já morto lembranças de deuses, lembranças de néctar, lembrança de flores.

Um poema que venha trazer a carícia do sol e molhar a poeira esquecida no orvalho de cada manhã.

Um poema que possa reabrir para sempre os templos vazios de outras eras.

          (15/05/1974)

 

Hoje um sorriso comercial derrubou minha palmeira, a minha palmeira que trazia em seu bojo os mais lindos reflexos dourados do sol.

Meus farfalhantes ramos verdes, sempre arremessados contra um céu azul ou contrastando com seu brilho colorido as tristes brumas de um céu todo de chumbo.

Nas frias tardes cinzentas de inverno, quando tantas árvores já haviam derrubado suas folhas, lá estava ela, esbelta e linda a enfeitar o céu, a deslumbrar os olhos, a alegrar o mundo.

Nas frias tardes cinzentas de inverno, naquele gotejar murmurante, de penetrante umidade, quando apenas folhas podres se espalhavam pelo chão, quando tudo em meu redor eram somente secos troncos enegrecidos sem poesia, eu tinha a minha aurora, no seu verde radioso e no balanço cadenciado de seus galhos sempre belos e altaneiros, sempre vivos.

Mas aleijaram-na os práticos do mundo. Suas velhas folhas caídas, ressequidas, que adubaram tanta terra no passado, são levadas pelo vento mais volúvel, se emaranham nas calhas e telhados, trazendo o desgosto mais atroz para o triste “sapiens homo” do outro lado.

E agora, pelo chão esparramada, ela encosta as suas lágrimas imensas pelas calçadas, pelas pedras, pelos lances do progresso…

E só ficou em mim a paisagem de um vazio sem cor, mostrando ao fundo um bolor enegrecido, trazendo a lume um muro de vergonha, de insaciáveis burgueses insensíveis.

(21/05/1974)

 

Então, amigas minhas, que por tanto tempo cuidaram de meus rabiscos, hoje a gratidão segue em aberto pelos caminhos.

São rabiscos que guardam as lembranças de três mulheres que nas insones madrugadas poetavam em sonhos muita vida.

Primeiro Isis Maria Baukat os guardou e, quando ela se foi, Clarice Rita Zimmermann os recolheu, como se em um relicário fosse, e os trouxe para mim em um pacote de reminiscências guardadas.

 

 

 

 





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