Divagações em torno de um hino


Uma homenagem ao Centenário do Colégio “Sagrado Coração de Jesus”

 

 

O tempo que se escoa ao nosso lado é um tempo que se interpreta como a uma partitura musical. Cada pessoa tem o seu timbre e altura de voz. Ou obedece a um comando interior que maior sensibilidade evoca. E assim, nestas andanças de vida, nem os segundos se multiplicam da mesma maneira.

 

 

 

Das profundas amarguras renascemos ao ouvir uma simples palavra amiga. Mesmo que aos precipícios das tristezas sejamos jogados, âncoras de luz, de amor, de carinho e compreensão alçam-nos ao retorno da paz interior. Ao lar que nos abriga em todas as estações, em todas as intempéries.

 

 

Há o tempo em que pensamos que mal algum jamais nos atingirá. Pensa-se que as lágrimas virão, sim, mas serão apenas as da saudade inevitável dos tempos vividos na paz e no amor. Porque aprendemos que ruminar pensamentos que nos perturbam não nos aquecerá nos caminhos e mares que ainda teremos que singrar.

 

 

 

E a vida vai sendo vivida e levada, segundo a segundo, transpondo as agruras, as dores físicas, as dores da alma, num tempo sincopado nesta curva de pequenas elevações e algumas descidas.

 

 

 

Um dia somos extirpados de um mundo que, com muito esforço, ajudamos a construir. Um mundo no qual sofremos inúmeros arranhões, mas um mundo em que sentíamos ser o nosso mundo. O sofrimento que parecia ter sido tão intenso, que chegou a ferir, profundamente, que deixou raízes corroendo o âmago mais âmago que um ser pode ter, desvanece-se como desvanecem-se as pegadas do tempo.

 

 

 

Então percebemos outra vez a beleza que é o som do trinar dos passarinhos. Ouve-se o sabiá a anunciar a nova estação. Há tempo para o êxtase em cada nascer de lua, mesmo que não seja cheia. Há o deslumbramento com as cores crepusculares que antecedem o surgimento do sol em cada manhã ou a sua despedida atrás dos bosques que nos circundam além dos horizontes azuis. Encantamo-nos com o aguaceiro que, em cascatas, despenca do telhado ao lado da janela. Ou com a fina garoa que alivia as tensões das horas quentes do dia.

 

 

 

E é num tempo assim em que nos sentimos apenas como uma necessária, mas perdida vogal em meio às multidões que, de repente, após mais uma virada da terra em torno de si mesma, não apenas uma palavra amiga, mas uma infinidade delas chega para estimular mais ainda o nosso viver.

 

 

 

Foram muitas as emoções que me fizeram sorrir baixinho nestes últimos tempos. Foram muitas as emoções que molharam minhas faces de lágrimas quentes. Que fizeram aflorar em mim sentimentos até de vaidade, um capital pecado que eu não gostaria de demonstrar. Mas envaidecida eu me encontro.

 

 

 

 

Tudo começou na tarde de uma sexta-feira enevoada. Lareira acesa. Fazia muito frio. Sentada aqui defronte ao meu computador rabiscava mais um de meus textos.

 

 

 

De repente, uma mensagem chama-me a atenção. Vinha de alguém que eu conheci menino e hoje é um músico, um maestro, um exímio violinista. Transfere-me uns versos. Pergunta-me se eu os conhecia, se da sua melodia eu me recordava. Começam as lágrimas ao ler a primeira linha. Um aquoso véu turva-me os olhos. Vi-me, menina-moça, adolescente, em meio às minhas colegas, em nosso Sagrado Colégio a entoar um hino, que era o Hino do “Sagrado Coração de Jesus”, com letra e música de nossa professora Irmã Maria Carolina Gross. E num instante a melodia vem-me à mente.

 

 

 

Desde então, por uma vez apenas, eu ouvi este hino. Foi quando o “Coral Santa Cecília”, tendo a Imortal Maria de Lourdes Brehmer como regente, apresentou-o no decorrer da Sessão Solene da Academia de Letras do Brasil – Canoinhas, em que a Comenda “Ouro Verde” foi outorgada à Madre Maria Cármen Vertel, à Sra. Sissi Schroeder Allage e ao Senhor Niceto Fuck.

 

 

 

De minhas meditações em torno e sobre a linda melodia, sou extraída pela campainha do telefone. Era ele. Matheus Prust queria falar comigo. Conta-me do seu projeto. O projeto de montar uma orquestração para o hino. Que deverá ser o Hino do Centenário de nosso Sagrado Colégio. E que algumas estrofes deveriam ser inseridas para fazer jus à homenagem pelo século de amor, de arte e ciência entre nós disseminados. Pediu que eu escrevesse estas estrofes. Fiquei a imaginar em como escrever uma poesia, que não fugisse ao estilo da mestra que o hino compôs. Num ímpeto, disse a ele que escreveria, sim. O caos só veio depois. Prometi fazer o que nunca fiz. Escrever a letra para um hino. Não um hino qualquer. O Hino do Colégio! Do meu Colégio! Do Colégio onde entrei menina e saí com as ideias prontas para a vida.

 

 

 

Matheus Prust — era o Matheus, o violinista, o músico que pedia a minha parceria para um grande projeto seu —, passou-me então a partitura e depois em uma gravação um belo arranjo, com todo o acompanhamento original da melodia composta, humildemente, por Irmã Maria Carolina. Afirmou-me ele, também, ter ficado “fascinado com a grandíssima qualidade da composição musical”. Enviou-a a alguns colegas seus da área musical que também ficaram impressionados.

 

 

 

Turbilhões em minha mente. Divagava pela casa com a melodia a soar em meus ouvidos e as mais descabidas frases em uma louca tentativa de a ela acoplar meus toscos versos, ainda não escritos. Mergulhava em meu sono e quando dele retornava meu primeiro pensamento era o de me entregar ao óbvio. Não sou poetisa. Vou procurar alguém que seja para escrever estes versos.

 

 

 

Mas a poetisa, que é minha Patronesse na Academia de Letras do Brasil-Canoinhas, deve ter ouvido minhas súplicas. E tenho certeza que Isis Maria veio em meu socorro. Porque foi o tempo de sentar-me aqui, uma vez mais, defronte a esta tela em branco, que as palavras que eu tinha em mente foram saindo.

 

 

 

Amoldando aqui, aprimorando ali, mudando, alterando cheguei a um texto final. E já na tarde de sábado enviei ao Matheus o que seria um estudo inicial. Respondeu-me com aplausos. Até pedi para minha amiga Marilene Fiorentin emprestar sua voz para eu sentir como ficariam os versos cantados por ela. Encantei-me com o resultado.

 

 

 

A decisão final de manter, do poema original da compositora Irmã Maria Carolina, duas estrofes apenas, a primeira e a última, e finalizar com as minhas, foi de Matheus, que assim explica o tema:

 

 

 

—Dois de oração e contemplação religiosa, dois de homenagem e celebração.

 

 

 

A composição musical terá muitas pautas. Além da parte chamada de soprano, com a primeira voz, constará ainda de mais duas vozes para o Coro. A parte orquestrada foi composta por Matheus para quatro vozes.

 

 

 

Matheus, como vocês sabem, é canoinhense. Como eu, e tantos e tantas mais, estudou no “Sagrado Coração de Jesus”. Eu o conheci tocando violoncelo na comemoração do natalício de uma amiga nossa, fazendo parceria com Loraine Dubena. A dupla recepcionou, —solando em seus violinos —, a meu lado, os meus convidados em meu aniversário, há 12 anos já.

 

 

 

Além de ser exímio violinista, Matheus é graduado em música pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Mestre em Música Histórica pela Universidade Federal do Paraná, camerista e pesquisador na área musical também. Está agora em fase de doutoramento entre as escalas e os sons que tanto domina. Em Portugal mais ainda se aprimorou.

 

 

 

Nestas suas pesquisas deparou-se com a partitura original do Hino do nosso Sagrado Colégio. Suas ideias entraram em ebulição. Pedi mais detalhes sobre o novo projeto. Explica-me, então a surpresa ao se deparar com aquela maravilhosa peça musical. Eis o que me escreveu:

 

 

 

Partitura do Hino/Reprodução

“O projeto da composição do Hino em homenagem ao Centenário do Colégio Sagrado teve início com minha pesquisa sobre a história da música na instituição. No processo de investigação, herdei das irmãs diversas partituras dos primórdios da escola, dentre elas os métodos e livros de estudo de violino e piano que Irmã Maria Carolina trouxe da Europa. Para minha surpresa, dentro de uma pasta comum, com partituras diversas, encontrei a partitura manuscrita original do hino da escola.

 

 

 

Iniciou-se um processo de restauração da partitura, bastante frágil e danificada, envolvendo uma edição crítica baseada no texto autógrafo. Impressionado e impulsionado pela profundidade da composição, nutri o desejo de compor um novo hino que trouxesse à tona a música de Irmã Carolina e que homenageasse a memória das ações humanas das missionárias Irmãs Franciscanas em nossa cidade.

 

 

Com grande alegria recebi o aceite do convite de participação de d. Adair Dittrich, cuja intimidade com a história do colégio, com as Irmãs e a cidade foram indispensáveis para a concretização do projeto.

 

 

 

Está em processo de realização a gravação do hino por músicos da cidade de Curitiba, meus colegas de profissão. Tocados pela proposta da homenagem participam, voluntariamente, também eles. Destaca-se o solo da soprano Márcia Kaiser, musicista com ampla carreira internacional acaba de retornar da Itália, onde concluiu seu doutorado, professora de canto na Escola de Belas Artes, em Curitiba.

 

 

 

 

Também ao órgão, originária de Canoinhas e residente em Londres, Pierina França. A participação do Coral Santa Cecília, representado pela maestrina Maria de Lourdes Brehmer, deve ser sublinhada. O coral também é fruto da obra de irmã Carolina e comemorará o seu próprio centenário em 2021. Organiza-se uma gravação em vídeo do hino, com um coro infantil de 100 crianças, além de todos os músicos mencionados. É uma homenagem da comunidade ao colégio.”

 

 

 

 

 

Nosso Coral “Santa Cecília”, em seu início era conhecido como “Scholla Cantorum Sancta Caecilia”, quando foi idealizado, fundado e regido por esta artista — que nossa Madre foi também — Irmã Maria Carolina Gross.

 

 

 

Não sei se meu coração não arrebentará nesta expectativa que é a de aguardar o final desta Pandemia causada pelo SARS-COV-2. Quando, então, finalmente, esta gravação seria lançada para comemorar o Centenário do Colégio “Sagrado Coração de Jesus”, o nosso Sagrado Colégio.

 

 





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