ADAÍR DITTRICH: O melhor dos vícios


Meu vício começou muito cedo. Era eu criança, muito pequena ainda, e já tentava decifrar aqueles misteriosos sinais desenhados em milhares de papéis que apareciam em minha frente.

No início eu os copiava iguais ou quase iguais àquelas letrinhas de forma estampadas por toda a parte. Depois aprendi a interpretá-los, juntá-los um a um e então descobri o portal que me transportaria para outros mundos.

O paraíso era logo ali, onde começou, naquela escolinha primária de Marcílio Dias. Escola que herdou todo o acervo de livros da “São Bernardo”, que tinha sido a Escola Alemã.

Eram pequenos os primeiros livros que eu lia. Livrinhos que contavam histórias encantadas de fadas e duendes, de anões e princesas, de palhaços e trapezistas, de bailarinas e aventureiros. Tempos depois nos permitiram ler outros livros. Livros mais avançados cujos volumes já eram em formato maior e com maior número de páginas. E as viagens maravilhosas através dessas palavras só se alongaram cada vez mais.

E ainda havia os jornais e as revistas que chegavam pelo trem até a minha aldeia. Meu Nonno Pedro Gobbi comprava todas as novidades do dia que o jornaleiro tivesse para vender. E era eu quem tinha a incumbência de fazer esta corrida até o vagão, voltando carregada de notícias fresquinhas.

A ânsia de ler era tamanha que numa ocasião, andando com minha mãe pelas calçadas da Rua XV, em Curitiba, quase arrebentei a cabeça em um poste de ferro. Eram inúmeros os cartazes com muita coisa para ser lida e o deslumbramento era maior que o perigo que se mostrava a frente.

Mas, foi no Colégio, em Canoinhas, onde já interna eu estudava que descobri outros caminhos bem mais audaciosos. Cai nos braços de Karl May. E com ele me aventurei pelo selvagem oeste dos Estados Unidos da América.

Cavalguei pelas planícies sem fim, galguei píncaros inacessíveis ao comum dos mortais, desviei-me de flechas envenenadas, aprendi a conviver com altaneiros índios de plumagens e roupas de um colorido inimaginável.

Percorri a Cordilheira dos Andes e descobri os tesouros dos Incas e a sua mística devoção aos ancestrais maiores.

Conheci todo o Oriente Próximo com seus Oasis encantados, seus camelos e seus audazes e velozes cavalos de garboso porte, seus desertos coalhados de mistérios e segredos onde conheci os mais belos e altaneiros sheiks do mundo árabe.

Fui até os Bálcãs. Caminhei por praias e margens de imensos lagos, por rosadas montanhas e por um sem fim de histórias sem fim.

E muita geografia foi entrando em minha memória conduzida pelas letras de Karl May. Karl May, um escritor que eu imaginara um cavaleiro andante que jamais dormira duas noites no mesmo lugar, cavaleiro andante de tantas andanças pelo mundo, conhecedor de todos os lagos e montanhas, de todos os rios e mares, de todas as planícies e desertos.

Karl May conheceu o mundo através de muitas viagens. Mas o mais importante foi o seu conhecimento através de livros, de atlas geográficos, de Mapas-Múndi. Conheceu um mundo onde colocou milhares de fantásticos personagens nas aventuras mais alucinantes que alguém poderia ter vivido.

Era ele um dos meus heróis, o herói de algumas poucas meninas e de alguns poucos garotos que apreciavam este tipo de literatura.

Outros escritores e outras escritoras eram também muito procurados. A biblioteca do Colégio tinha uma imensa coleção de livros para os mais variados gostos.

Entre os mais procurados estavam os de M. Delly que todo mundo chamava de Madame Delly. Eram todos histórias de amor, de sofrido amor, todos romances água com açúcar tão do agrado das adolescentes daquele tempo.

O Colégio tinha um maravilhoso bosque com lindas e copadas árvores. Ficava atrás da quadra de Educação Física e de jogos. Havia uma árvore especial, de grosso e retorcido tronco de onde emergiam ramos imensos e grossos também que eram do tamanho exato de nosso corpo e onde ficávamos aboletadas em longas tarde de domingo com nossos livros e nossas imaginações.

Nas férias eu vinha até a Casa Canônica, a Casa dos padres, junto à Matriz para alugar outros livros. Outra biblioteca fantástica. E as viagens já se destinavam a outro mundo. A outro continente. Embarcava em imaginário barco voador para a África.

Lá as aventuras eram outras. Lá eu encontrava florestas imensas com as mais altas e copadas árvores do planeta. Cheias de macacos. E extensas savanas coalhadas de elefantes, leões, tigres, rinocerontes.  E convivendo com eles e entre eles estava o herói da selva, o filho da selva, Tarzan. Além da coleção completa deste incrível personagem havia uma imensa gama de outras obras.

A nossa famosa BIC, a Biblioteca Infantil de Canoinhas viria muito tempo depois quando eu aqui já não me encontrava. Quando, entre outros livros eu precisava aprimorar os meus conhecimentos, os livros científicos e técnicos que tomavam conta da maior parte do tempo. Mas sem deixar de, de vez em quando, procurar o colírio para a alma e retornar às viagens fantásticas para fantásticos mundos encantados através deste maravilhoso vício de ler, ler e ler sempre.

E o que o meu espírito aventureiro mais gostaria era ver a todos completamente viciados e inebriados com este estranho e delicioso torpor que é o de ler e devorar livros.





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