ADAÍR DITTRICH: Meus encontros num jardim abstrato


Leia a homenagem aos 30 anos da Rede Regional Feminina de Combate ao Câncer
Fotos: Fátima Santos

Voluntárias da Rede Regional Feminina de Combate ao Câncer de Canoinhas/Fotos: Fátima Santos

Acabo de transpor a tênue linha que me separa do concreto para o abstrato. Não para falar de abstrações. Mas, para vagar por este abstrato espaço onde navego minhas ilusões e minhas crenças. Para navegar pelo concreto e pelo abstrato espaço onde tudo aconteceu.

Não posso falar simplesmente do alto de uma pequena planura.

Preciso alçar-me aos mais altos cumes das mais altas montanhas ou, quiçá, vislumbrar este panorama desde as mais elevadas e brancas nuvens que pairam e voam pelos altiplanos do infinito azul.

Tão grande obra. Tão grande foi, está sendo e será o seu alcance que só do infinito será possível vislumbrá-la!

A obra que as Mulheres de Rosa, só as Mulheres das Rosas conseguem realizar.

Não se pode falar em números! Não se pode falar em tempo! Porque preciso é falar do abstrato, do que não se vê, mas mais do que se vê, do que se sente.

Sem copiar ou imitar poetas maiores eu diria:

Mesmo que eu falasse a língua dos anjos e dos santos, mesmo que eu conseguisse atingir o mais puro trinar dos mais maviosos pássaros eu jamais poderia enaltecer com justiça o trabalho executado por estas Mulheres de Rosa!

Tento não emocionar-me… apenas tento…porque conseguir não é possível.

São trinta anos! A comemorar-se dentro de alguns meses.

Foi ontem Dona Haydée! Senhora Haydée Carneiro de Carvalho e Oliveira.

Foi o seu desprendimento, abnegação, carinho e dedicação que liderou um grupo de mulheres que vestiram a roupa cor de rosa, o guarda-pó cor de rosa e iniciaram este caminho que teve um começo, mas que jamais terá um fim.

Não sei se alguma de Vocês, Voluntárias da Rede Regional de Combate ao Câncer de Canoinhas, já aquilatou o tamanho, a grandiosidade, o alcance desta obra.

Parece impossível.

No entanto, pode-se imaginar o que seria destas quase quinze mil mulheres… (Perdão, eu disse que não falaria em números.) O que seria destas quase quinze mil mulheres de nossa região se elas não tivessem realizado aquele simples exame?

Seriam quase quinze mil sofrimentos. Que Vocês evitaram.

Seriam quase quinze mil desesperos.  Que Vocês evitaram.

Seriam quase quinze mil famílias sem o arrimo de suas mães, sem o afago das mãos de suas avós.

Seriam quase quinze mil pessoas em choro e ranger de dentes.

São muitas histórias. São quase quinze mil histórias. São quase quinze mil histórias de vida. Cada vida uma página. Uma obra literária de quase quinze mil páginas. Uma obra monumental. Muito mais que qualquer novela de sucesso.  E um mero resumo apenas para cada página, para cada história.

Então, para navegar pelo concreto e pelo abstrato espaço em que tudo aconteceu transponho aquela linha, a linha de um imaginário portal, onde surge um imenso jardim.

E, nesse jardim, de múltiplos canteiros e alamedas, de imensas sebes e fontes com pedras e seixos, guirlandas e dosséis eu me encanto com os passos de seres que contam histórias.

Lá, onde era o começo, tênue e impreciso, onde o jardim tem seu primeiro dossel, vislumbro o impulso de mulheres que refletem em seus olhos o sol da história, formando uma espessa e espumante nuvem rosa.

Mãos que envolvem a ROSA… marejam-me os olhos ao vê-las… as mãos de Aline… minha doce e carinhosa irmã, desenhando, colorindo, tornando-se parte de rósea nuvem… Aline…

Nos meandros do jardim vou encontrando sorrisos de mulheres que ousaram transgredir o óbvio para evitar a queda de uma futura lágrima. Que deixaram seu aconchego para levar mensagens de uma vida sem dores. Que invadiram lares alheios para o necessário chamado à verdade crua. Que não se cansaram de repetir em cada canto da cidade e do sertão de quantas gotas de sangue é composto o sofrimento. Que vagaram pelas gélidas manhãs nevoentas, pelas mornas tardes modorrentas contando do macio caminho para evitar o calvário e a cruz e o sangue e a dor.

Sopra o vento nos salgueiros e com ele os sons de outras melodias… são outras mulheres. As mulheres que tiveram a fortuna de não ter o seu sonho interrompido, cantando loas ao trabalho das Mulheres de Rosa. Elas sorriem e cantam felizes. Formam um canteiro imenso, com rosas de todas as cores e de todos os tons.

Mais além, outras que não chegaram cedo para o primeiro exame e tristemente souberam que algo mais deveria ser feito. Mas elas me contam que palavras meigas e encorajadoras as levaram a uma sábia e acertada decisão, livrando-as de uma catástrofe maior. Um verdejante dossel as envolve e o seu canto é mais suave, num contínuo agradecer.

Junto a uma cristalina fonte, com seixos cantantes sob as águas, encontro umas tristes mulheres que vieram tarde demais ou que nunca vieram. E o seu canto, junto às transparentes águas que jorram é um conselho a todas as mulheres do mundo. Aquele conselho que elas nunca receberam ou que nunca tiveram coragem de seguir ou que tristemente sempre tiveram vergonha de ouvir:

“Deixem a vergonha e os tabus de lado e sigam as palavras amigas das Amigas Mulheres de Rosa desta Rede Maravilhosa Feminina de Combate ao Câncer!”

Percebo que a linha, a tênue linha entre o abstrato e o concreto, aos poucos se esvai, desvanece e finda. E o concreto total se apresenta provando que no abstrato jardim nos encontramos por inteiro.

Que nele só possamos encontrar mulheres entoando uma ode à alegria, mulheres que só encontrarão resultados promissores, mulheres com um final feliz.

Parabéns pela sua obra, Mulheres de Rosa!

 





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