A música e os músicos de nossa terra Canoinhas


Arquivo pessoal

Em alguns dias do ano, chamados então de Dias Santos de Guarda, as Santas Missas, na Matriz, eram solenes

 

 

Música! Nada mais envolvente que ouvir música. Enquanto escrevo ouço, de Sergei Rachmaninoff, o Concerto número 2. Com a Orquestra Filarmônica do Teatro Regio Torino. Tendo como solista, ao piano, Khatia Buniatishvili.

 

 

 

A música acompanha-me desde tempos de que nem me lembro. Porque em minha casa sempre havia alguém a cantar e algum tempo depois a tocar.

 

 

 

Meu Nonno Pedro Gobbi, creio eu, devia ser um barítono. Vivia a cantar, muitas vezes, sozinho, árias de óperas. De vez em quando chegavam, de Curitiba, alguns senhores, bem vestidos, que se reuniam com ele para um lauto jantar à moda italiana e com muito vinho para complementar. E então a noite de minha vila era envolvida pelo Coro dos Escravos Hebreus, de “Nabucco”, pelo Coro dos Ferreiros, de “Il Trovatore”, óperas de Giuseppe Verdi, além outras tantas árias de outros grandes compositores clássicos.

 

 

 

Minha mãe conhecia todas. De tanto ouvir meu Nonno Gobbi e seus amigos a cantar.

 

 

 

 

E quando chegou o dia de minhas irmãs entrarem no Internato do Colégio “Sagrado Coração de Jesus”, além de serem matriculadas para o curso fundamental, para as aulas de música também foram.

 

 

 

Quando eu nasci, Aline, minha irmã mais velha, já era aluna interna e começou a estudar piano. Alguns anos depois foi a vez de Avany ir para o colégio e escolheu o violino para tocar.

 

 

 

Não me recordo do dia em que um violino entrou lá em casa. Deve ter chegado quando eu era ainda muito pequena. Recordo-me de ouvi-lo. Mas do dia em que o piano foi entronizado na sala de nossa casa, em Marcílio Dias, eu tenho nítida recordação.

 

 

 

Não tenho certeza quem chegou primeiro. Se foi o piano ou se foi o rádio. Porque foram duas celebrações importantes que ficaram em minha memória. O piano entrou pela porta principal. E naquela sala ele permaneceu até o dia em que veio morar comigo aqui no alto da colina onde vivo.

 

 

 

Quando minhas irmãs estavam de folga do Sagrado Colégio, ou em suas férias, minha casa vivia de música. Uma colega e amiga delas, Ilka Ferreira (Schmid, depois de casada) tocava piano lá em casa também. Sua mãe, comadre de minha mãe, que morava em Três Barras, vinha muitas vezes passar alguns dias conosco. Era uma exímia pianista. Dava aulas de piano na vila em que morava. Desde que as alunas tivessem o instrumento. E quando ela estava lá em casa era uma festa. Saraus musicais em todas as noites. Ela tocava os clássicos mais conhecidos e as músicas populares do momento. Ficava embevecida, pendurada ao lado do piano, para vê-la correr os dedos sobre aquelas teclas brancas e negras solando o famoso tango “El Choclo”, do músico argentino Ángel Villoldo.

 

 

 

Esta pessoa maravilhosa que fazia seus dedos volutearem sobre as negras e brancas teclas de um piano era a Dona Olga Righetto Ferreira. Era ela quem animava, com seus dons musicais, ao piano, os filmes mudos que eram exibidos no cinema da Lumber, em Três Barras.

 

 

 

 

Eram várias as Irmãs Franciscanas de Maria Auxiliadora, que no Sagrado Colégio ensinaram gerações na arte da música. Irmã Maria Querubina, que ficou famosa cuidando do Jardim de Infância, era também professora de violino. Com ela minha irmã Avany aprendeu a bem segurar o arco e deslizá-lo sobre aquelas quatro cordas, fazendo-o tanger sonoras melodias.

 

 

 

Irmã Maria Angélica era outra mestra de vários instrumentos. Além de piano, ensinava violino, acordeão, cítara, e, revezava-se com Irmã Maria Carolina Goss no harmônio da capela do Sagrado Colégio.

 

 

 

Falar de Irmã Carolina é mais difícil. Porque ela era múltipla, polivalente. Muito sobre ela eu já contei em crônicas anteriores e também em meus livros. Ela era a mestra. Vinda, uma adolescente ainda, da Áustria, sua terra natal, dava aulas de latim, português, matemática, pedagogia, metodologia, filosofia, religião e música. Era a dona de muito mais do que sete instrumentos.

 

 

 

Envolta pela música de Mozart, Haydn, Liszt, Beethowen, Schubert e tantos outros, desde sua mais tenra infância, entre os Alpes austríacos, não poderia também deixar de ser uma compositora e maestrina. Além de muitas melodias religiosas que nós cantávamos na capela, ela também compôs o Hino do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

 

 

 

Foi ela a idealizadora e fundadora da “Scholla Cantorum Santa Caecilia”. Um coral que deixava sem respiração a comunidade toda, presente nas Santas Missas da Matriz Cristo Rei, aqui em Canoinhas.

 

 

 

Em alguns dias do ano, chamados então de Dias Santos de Guarda, as Santas Missas, na Matriz, eram solenes. Por muito tempo, do tempo que eu me recordo, a cada vez, repetia-se a mesma composição clássica, com o Coro, lá no alto, a cantar o Introito, o Kyrie, o Glória, o Ofertório, o Sanctus, a Consagração, o Agnus Dei, enfim, todo o ritual. Os sacerdotes oficiantes, paramentados com estolas especiais, também entoavam alguns acordes em latim.

 

 

 

Mas Irmã Carolina sempre queria algo mais. Então a sua “Scholla Cantorum Santa Caecilia” foi convocada para múltiplos ensaios de uma nova composição clássica da Santa Missa Solene de Corpus Christi. E, além das vozes, músicos a acompanhar o grande harmônio — o órgão só foi entronizado no coro da igreja muitos anos depois—outros instrumentos foram acrescentados.

 

 

 

 

Solando como primeiro violino Sílvio Mayer e minha irmã Avany. O senhor Inácio, que era chefe de trem, com Iolanda Trevisani, professora, faziam o segundo violino. E seu Joaquim de Paula Vieira, que era agente da estação ferroviária, solava sua flauta.

 

 

 

Foi um Concerto inigualável em uma manhã festiva, na Matriz Cristo Rei de Canoinhas. Um momento maravilhoso de música sacra que ficou perpetuado nas paredes de nossa vetusta igreja.

 

 

 

Entre as relíquias guardadas por minha família há uma foto — anterior à minha entrada no Sagrado Colégio — de uma verdadeira orquestra de cordas. As integrantes são alunas, com seus instrumentos, tendo ao lado as Irmãs, suas professoras de música, e ao centro, Dom Daniel Hostin, Bispo Diocesano de Lages.

 

 

 

Violinistas, bandolinistas, citaristas, com seus instrumentos. Pianistas com partituras nas mãos ou fazendo gestos, como se estivessem a passear seus dedos pelas teclas.

 

 

 

Comentar esta viagem musical pelo passado, vagamente relampagueava por minha cabeça. Mas necessário se fazia um ponto de partida. E eis que um garoto – perdão, amigo, mas você continuará sendo sempre, para mim, um eterno garoto – passa-me um recado cibernético pedindo-me que lhe fale sobre músicos de nossa terra. Dias depois batemos um longo papo no velho e negro telefone da moda antiga. E parecia-me, Matheus Prust, que você estava sentado na poltrona à minha frente. E fomos rememorando um pouco da história da música e dos músicos de nossa terra.

 

 

 

 

Meu primeiro contato com Matheus ao violino foi no aniversário de uma amiga. Tocava em dupla com Loraine Dubena. Depois solicitei sua arte para dar mais brilho a um almoço em que a aniversariante era eu. O tempo passou e eu vejo o garoto Matheus tanger o arco de seu violino e de seu violoncelo em esferas mais altas.

 

 

 

Matheus pediu-me detalhes sobre a nossa conversa, virtual, como todas as conversas em tempos de Pandemia de coronavírus, nos dias de hoje, e que rascunhasse, se possível, detalhes, como nomes e outras coisas mais.

 

 

 

Então encetei, agora esta viagem, rememorando algumas passagens deste nosso passado musical. Do pouco que sei. Do pouco tempo, que em minha adolescência por estas bandas perambulei como aluna interna do nosso Sagrado Colégio, um templo da arte de nossa terra.

 

 

 

 

Uma viagem com paradas em muitas estações musicais.

 

 

 

Porque muito precisa ser contado sobre estes sons que inebriaram os ouvidos de tantas gerações nas terras da Santa Cruz.





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