São penas, são plumas, são papéis laminados multicoloridos que esvoaçam na Avenida tentando alcançar as nuvens, a encantar a multidão de olhos.
São movimentos das ondas do mar, são movimentos de libélulas encantadas alçando mirabolantes voos dardejantes num zumbido de alegria a encantar a multidão de ouvidos.
O mar, ali abaixo, em branco e anil, brilhando ao reflexo da lua, aos reflexos das luzes, aos reflexos de atônitos olhares.
O deslumbramento pela cadência de inúmeros tambores, de impecáveis tamborins, de ritmadas caixetas, de arrebatadores pandeiros, de roncantes cuícas.
Um cortejo que reis e príncipes de medievas eras jamais sequer tentariam imaginar.
Do alto de uma comum arquibancada a visão lá embaixo é fantasmagórica.
A noite avança, a madrugada chega e o corpo lasso já não mais consegue manter-se em pé para continuar desfrutando de toda aquela euforia, de toda aquela alegria, de todo aquele rufar e farfalhar que a tudo e a todos envolve.
É uma viagem fantástica. Inigualável viagem que extasia, que toma conta de todos os sentidos. Repentinamente, você não mais está ali. Embarca em naves espaciais que passam ao lado, que passam à margem, num voo pelo infinito e senta-se nas estrelas que vagueiam pelos espaços siderais. E como diria uma amiga minha vamos todos aos encontros boêmios com os velhos sambistas nas esquinas dos astros.
Viagem de um sonho real, sem a muleta ou a bengala dos embalos por falsos alucinógenos químicos e artificiais. Uma viagem da qual se volta por inteiro, autêntico, feliz e sem ressacas.
Viagem a um mundo encantado que se vai incendiando em uma noite de luz, em uma noite de cores, em uma noite de sons que só uma noite de encanto dos desfiles das escolas de samba na Avenida pode proporcionar.
Mas há também um outro encanto, outra viagem que é o próprio desfilar na Avenida. Fazer parte dos milhares de sambistas, figurantes, participantes do maior espetáculo da terra.
Pés no asfalto ao ritmo alucinado e alucinante da bateria. A fantasia que cobre o corpo encorpando o enredo. E nada acontece de repente, num piscar de olhos. Há uma solenidade inicial, há toda uma celebração para que você possa integrar-se a esses milhares de pés que sambam.
A escolha do tema, do samba-enredo, já começa muitos meses antes. E enquanto figurinistas se adentram na história, os compositores iniciam o enredo musical. Muitos concorrentes para um júri de músicos e literatos e um júri popular. Lá pelo final do ano a vencedora já está na boca do povo da Escola. E os ensaios se perpetuam. Não só para os integrantes. Para o mundo. Para quem quiser participar e aprender os passos, os requebros, a letra e a música.
E em fevereiro, se os olheiros da Escola considerarem que a sua ginga é perfeita (ou quase) já lhe oferecem (para adquirir) a fantasia para tal ala. Completa. Até com calçado. Cheio de purpurinas. Fechado. Com salto alto. Que não foi feito sob medida para você. E é com tudo isto que você atravessará o Sambódromo ajudando aquela escola, que agora é a sua escola, para ser campeã.
É fácil escolher a Escola. Os amigos no Rio já levam você para os ensaios desde novembro. Mas não é a assiduidade que dá a chave. É o jeito, o requebro, o modo de sambar.
E mais do que assistir de camarote o Desfile na Avenida, a glória é participar, suar, pés no asfalto e ultrapassar aqueles metros entre a Concentração e a Praça da Apoteose até o final. Dizem que uma participação em uma escola de samba, mesmo como um mero figurante da mais insignificante das alas, tem efeito maior que um ano de sessões de psicanálise.
E, gloriosamente, sob aplausos e sob todo aquele entusiasmo você se sente como a pessoa mais importante do universo. É tudo só para você. É a glória, é o êxtase, é a agonia final em uma grande estafa, um grande cansaço, uma grande apoteose.