A despedida de Verona


Lojas, bancos, escritórios, restaurantes, cantinas, hotéis, em um rendilhado de estilos

 

 

Sensação de apenas haver desembarcado em Verona. Estava por ela a perambular em meu último dia a sós. Não sabia onde começar e o que ver naquelas últimas horas que se abriam à minha frente.

 

 

 

Foi longa a distância percorrida nessa última manhã. Um simpático motorista levou-me até a região onde está erguida a Basílica de San Zeno, o padroeiro de Verona. Contou-me ele que a Basílica está situada para fora da muralha que cerca a parte histórica e mais antiga da cidade. Mas um novo paredão de pedras entorno dela foi erguida. Para que protegida ficasse de incursões adversas. Então foi um tal de se sair por um portal e entrar por outro até que à Porta de San Zeno chegássemos. Logo adiante, imensa alameda arborizada. E ao fundo a imponente Basílica.

 

Basílica de San Zeno, o padroeiro de Verona

 

Deixei-me lá dentro ficar por muito tempo. Divagando em meio a diferentes imagens e afrescos. Imensa e iluminada nave. Uma pia batismal esculpida em pedra.

 

 

 

Saindo por uma porta lateral defronto-me com imenso jardim florido. Cercado de colunatas. Ao fundo outra igreja a fazer parte deste imenso complexo religioso.

 

 

 

Não me havia dado conta do tempo decorrido. Mas o sol a pino e um revoluteante estômago avisavam-me de que uma trattoria eu deveria procurar. Ao lado da imensa fila de pinheiros e ciprestes perfilavam-se várias. Como escolher aquela que serviria a melhor massa ou a melhor salada… Com mesas sempre ao ar livre, cobertas com toldos. Que deixavam passar o intenso calor. De repente, vislumbro um local que ficava ao lado da alameda de arvoredos. Que recebia a sua benfazeja sombra.

 

 

 

Enquanto aguardo ser servida, um casal a meu lado pergunta-me de que país de língua portuguesa eu era. A gente sempre se trai ao falar com os garçons. Sempre o nosso jeito de falar, de pronunciar as palavras e, mesmo, algumas expressões inusitadas que surgem do nada são a prova mais cabal de nossa origem.

 

 

 

Foi uma agradável surpresa. Ficamos a conversar no decorrer de toda a refeição. Eram eles portugueses. E em Verona encontravam-se para assistir ao Festival Verdi que se desenrolava em todas as noites na monumental Arena. Já haviam assistido “Aída” e naquela noite assistiriam “La Traviata”. Haviam adquirido ingressos com um ano de antecedência. E em locais privilegiados. Então entendi porque eu não mais os encontrara.

 

 

 

 

Queria ainda conhecer o Castelvecchio e outra famosa ponte, a Ponte Scaligero. As duas construções envolvem-se uma na outra como se apenas um imenso castelo fossem.

Castelvecchio

 

Turistas de todas as partes do mundo cruzam aquela ponte. Modelos posam para figurinos exóticos, diferentes e naturais. Músicos solam acordeons, violoncelos, violinos, flautas. Foi o som de “Va pensiero”, o triste e majestoso Coro dos Escravos, da Ópera “Nabuco”, do genial Giuseppe Verdi, que me fez, quase correndo, subir um trecho da ponte. E logo encontro o local de onde se originava a melodia. Um senhor, já de cabelos brancos, curvado pelos anos vividos, soberanamente, solava seu acordeão. Alguns passavam ao largo. Poucos a seu lado se detinham para ouvir tão admirável arte. A seus pés uma cestinha de vime para acolher moedas de alguns corações sensíveis. A seu lado fiquei enquanto aquela melodia pelo ar evolava. Aos poucos, lentamente, fui deixando a ponte, sempre com o som de Verdi a me acompanhar.

 

 

 

Vagueei ainda por um bom tempo entre os paredões e jardins de Castelvecchio. Jardins bem cuidados. Um mar de algas, musgos e líquens onde, nos séculos que se foram, seria o fosso. Diferentes pedras e diferentes tijolos sem argamassa a revesti-los.

 

 

 

 

Mais tarde, outro motorista falante, conta-me que aquela ponte, bem como todas as demais que cruzam o rio Adige, foram destruídas pelos nazistas, quando, às pressas, tiveram que deixar a Itália, ao final da Segunda Grande Guerra Mundial. Foram reconstruídas na sua total originalidade.

Ponte sobre o rio Adige

 

 

Em meu andar lento, por vezes, claudicante, percorro as ruas em direção à Praça das Ervas, local onde um chapéu de palhinha veronesa eu já havia adquirido no primeiro dia em que por lá passei. Onde todas os suvenires podem ser adquiridos. São tantas as barraquinhas que compõem a feira eterna que nela se localiza, que é difícil saber o que mais agrada, É um bulício só de tanta gente a vender, de tanta gente a comprar.

 

 

 

 

Em seu entorno prédios seculares que abrigaram os aristocratas mais aristocratas em tempos remotos. Lojas, bancos, escritórios, restaurantes, cantinas, hotéis, em um rendilhado de estilos. Todos com suas calçadas recobertas e colunatas magníficas.

 

 

 

E perto, bem perto o local para se tomar um táxi. Era hora de dar descanso aos meus ardentes pés e seguir o caminho do hotel. Precisava arrumar minha bagagem que já se avolumava. No dia seguinte eu já estaria fazendo parte do grupo que desde Milão vinha seguindo pela via dos lagos italianos.

 

 

 

 

Naquele entardecer estava eu no saguão do hotel, aguardando a chegada daquele povo todo, imaginando um bulício imenso. Creio que o cansaço que deles tomava conta pelas aventuras todas do dia, fez com que me parecessem alunos comportados de um colégio interno chegando.

 

 

 

 

Logo algumas pessoas vieram sentar-se perto de mim. E novas amizades foram sendo aglutinadas. Queriam saber o que ver em Verona em tão poucas horas. Houve quem se aventurou a correr até a Arena, na doce ilusão de um bom local ainda pegar a fim de assistir “La Traviata”.  Desde as seis horas da manhã eles já estavam na estrada, desde Milão. Contaram-me do encanto do Lago de Garda e da ilha que lá visitaram.

 

 

Lago de Garda

 

Era um grupo, em sua quase totalidade, formado por latino-americanos. E todos, assim como eu, descendentes de italianos. Não foi difícil com eles entrosar-me e no dia seguinte já éramos uma grande família.

 

 

 

A pior notícia eu li no boletim da empresa de turismo. Deveríamos acordar às 6 horas da madrugada. Já deveria ter me acostumado a levantar cinco horas mais cedo do que costumava no Brasil. Mas como ia dormir muito tarde este levantar cedo, no meridiano italiano, ainda não estava impregnado em meu organismo.

 

 

 

 

Sim, acordar às 6 horas. Dentro de meia hora as malas seriam recolhidas da frente da porta de nossos apartamentos. Às 7 horas, café. Às 8 horas o ônibus partiria do hotel. Em direção ao centro de Verona. Para que o grupo conhecesse a cidade. Três míseras horas para conhecer tanta coisa bela e misteriosa. Ainda bem que eu me antecipara.

 

 

 

Saímos do coletivo que nos deixou ao lado da milenar Arena, a mais antiga do mundo romano. Mais antiga que o Coliseu de Roma. Quase que de imediato perdi o grosso da tropa. Nossa guia, com um colorido guarda-chuva, à guisa de bandeira, já se encontrava  bem uns cinquenta metros à minha frente. A primeira coisa a ver seria a Casa de Giulietta. Ainda bem que eu sabia onde era. Já a visitara há mais de trinta anos. Fui até lá apenas para fazer ato de presença. Uma verdadeira multidão em exíguo espaço a aglomerar-se. Fila para chegar junto da estátua. E ao lado da bela Giulietta de mármore ser fotografado, filmado.

 

 

Casa de Giulietta

 

Há uma lenda que há trinta anos eu desconhecia. Consta que so o fato de se tocar na musa de Romeu desencadeia um poder miraculoso para o encontro de um amor. Mas colocar a mão sobre os seios desnudos da mais famosa heroína de Shakespeare é deparar-se, quase que de imediato, com o príncipe ou a princesa dos mais belos sonhos.

 

 

 

 

E creiam, eu vi. A fila não cessa. Não eram só garotas em busca de um amor. Marmanjos também nisso creem. Velhos de cabelos brancos acorriam, pressurosos, temendo perder a vez de conseguir o milagre da vida.

 

 

 

Verona tem esta magia. Porque há também um poço. Onde rosas são atiradas com o mesmo fim. Um poço onde outro amante dos tempos remotos, na ânsia de provar seu amor à mulher de seus pensares nele se joga. E lá ficou pela eternidade.

 

 

 

 

 

Distanciei-me do grupo e fui em busca da Praça Bra. Muito bem acomodada em um banco, sob frondosa árvore, fiquei saboreando um esplêndido sorvete. Estendia o meu olhar em torno de toda a grandiosidade da Arena, dos demais monumentos e construções ao lado e uma angústia em deixar a terra de minha Nonna Thereza foi tomando conta de mim.

 

 

 

 

Um coletivo urbano nos deixou junto ao grande estacionamento onde ficam os ônibus de turismo. Embarcamos. Do alto de minha poltrona, através das panorâmicas janelas, vi o Adige pela última vez.

 

 

 

Logo estávamos na imensa e larga rodovia que nos levaria até a grande Laguna, junto ao mar Adriático, onde tomaríamos um barco para aportar na mais procurada e festejada região de Veneza, o território místico que se situa ao longo da Praça e da Igreja de São Marcos.

 





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