O inesquecível Sagrado Colégio


Algumas páginas e há muitas horas eu contava e afirmava que jamais tudo será dito ou escrito sobre o nosso Sagrado Colégio. Muitas águas, ou melhor, muitas linhas ainda irão rolar até que eu consiga esgotar, pelo menos, as minhas lembranças.

Então, hoje, aqui, eu volto com imagens que continuam dançando em minha memória.Com algumas imagens. Com algumas reminiscências antigas, gravadas, indelevelmente na retina e na alma.

Volto à nossa vetusta sala de estudos. A sala onde passávamos a maior parte de nosso tempo, a sala onde vivemos a nossa vida de internato, em uma sociedade ímpar, em amistoso convívio, onde brigas não tinham vez. Porque ali o silêncio imperava… Era uma familiaridade muito grande entre as pequenas que lá aportavam para aprender as primeiras letras e as maiores que já saiam para ensinar.

E eu quase nem consigo me imaginar sentada nas primeiras filas dessa sala, quando lá cheguei, menina de tranças, ainda. De fila em fila, ia passando, ano após ano. Lembro bem quando meu recanto já era pelas fileiras do meio e quando eu me considerava entre as mais velhas, na última fila.

Nunca me colocaram para sentar nas carteiras encostadas às janelas que margeavam o jardim. Meu lugar sempre era do lado contrário, no corredor, com apenas uma colega a meu lado. E eu não entendia o porquê … Era eu a primeira a me levantar para sair e a última a sentar. Sutilmente me foi dado a entender que assim a vida ficaria mais fácil. Para as outras. E para a chefia… E que, caso eu ousasse tagarelar, só poderia ser com uma pessoa, a colega da esquerda, porque à direita ficava o nada, o vazio…

Depois do intervalo para o recreio e o lanche, chegada era a hora da dedicação aos trabalhos manuais, a hora do bordado. Que nunca fora o meu forte. Meus dedos dançavam com as agulhas que conduziam o fio a colorir as flores naquelas enormes toalhas ou em pequenos guardanapos. E as tarefas, sempre inconclusas por mim, eram finalizadas por mãos de fadas. Habilidosas mãos passavam aquelas agulhas que guiavam coloridas linhas formando belas obras de arte. Mas estas mãos não eram as minhas.

Porque as minhas estavam sempre ocupadas a escrever os temas de português ou a resolver os problemas de matemática. Os meus e os das fadas que bordavam a minha toalha. Era uma troca de habilidades. Cada qual em sua arte.

Ao lado dessa famosa sala de estudos ficava a sala de pintura.

Pintura não fazia parte do currículo oficial. Era algo a mais para interessadas. Eu era uma delas. Para fugir das aulas de bordado? Talvez? Claro que sim!

As paredes de nossa casa já estavam repletas de obras pintadas por minhas irmãs e eu, então, tentaria seguir o mesmo caminho.

Irmã Cacilda era a nossa mestra de Pintura. Meticulosa. Dócil. Carinhosa. Com meigas palavras ia nos ensinando a mistura das cores, os sombreados, a graciosidade das linhas encurvadas, a meticulosidade das retas.

E assim, em algumas tardes da semana, lá ficávamos nós, tentando adentrar o mundo de Rénoir, de Degas, de Matisse, de Rembrandt.

Antes de Irmã Cacilda foi Irmã Ancila quem ministrou as aulas de pintura. Minha irmã Avani, que tinha sido aluna dela, sempre a elogiava muito. Dizia ser Irmã Ancila uma artista ímpar perdida e escondida do mundo dentro dos muros de conventos franciscanos.

Mas não era só a pintura que me fazia escapar das aulas de bordado. Havia também as aulas de piano. Embora um começo eu já tivesse tido, em casa, com minha irmã Aline, foi ali, no Sagrado Colégio, com Irmã Angélica, no início, e Irmã Carolina, ao final, que consegui dedilhar, com desembaraço, um teclado.

Hoje eu não consigo me imaginar, em uma solenidade de formatura da Escola Normal, acompanhando, ao piano, todos os hinos e canções que ali se cantaram. Mas aconteceu. Sob a supervisão e incentivo de Irmã Carolina Gross.

Lembro-me bem que o treinamento era árduo e constante. E que essa brilhante maestra ficava, ao lado, batendo o ritmo,corrigindo, estimulando, incitando.

Não aprendi a tocar um órgão com ela, porque naquela época não havia ainda esse instrumento entre nós. Mas, entremeando as aulas de piano, a Maestra Irmã Carolina me ensinou a dedilhar lindas melodias no pequeno harmônio da capela de nosso Sagrado Colégio.

A última vez que a vi foi em seu leito de enferma, na casa onde viveu seus últimos dias, em Gaissau, Áustria.

Sem articular direito as palavras pediu para que cantássemos o nosso Hino Nacional e o de Canoinhas. E ela regia com uma das mãos, dali de seu leito de enferma. E eu, covardemente, me escondi atrás das cortinas, com um lenço em meu rosto para que ela não ouvisse os meus soluços e não percebesse o meu pranto. Os mesmos soluços e o mesmo pranto que tento, agora, em vão, amenizar e reter.

Irmã Carolina, mais tarde superiora, Madre, uma mulher que jamais esquecerei. Porque ajudou a lapidar as bases de minha vida.





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