Quando se fala em raciocínio lógico não se deve esquecer que a lógica, mesmo que não pareça, é parte da filosofia
Adaltro Prochnov Nunes*
Jairo Demm Junkes**
Ocasionalmente os alunos perguntam aos professores sobre a importância do que aprendem nas disciplinas de Filosofia, Sociologia, História e Geografia. A explicação mais comum é de que essas áreas do conhecimento têm como objetivo compreender a realidade humana e social. E, que são importantes para que o estudante desenvolva uma interpretação crítica da sociedade em que vive.
Outras áreas do conhecimento têm objetivos diferentes. Isso resulta em diferentes formas de interpretação da realidade. A Matemática, por exemplo, busca a exatidão e o desenvolvimento do raciocínio lógico, mas não deveria ser tratada isoladamente, sem relação com as demais áreas. Quando se fala em raciocínio lógico não se deve esquecer que a lógica, mesmo que não pareça, é parte da filosofia.
As ciências da natureza como a Química, a Física e a Biologia apresentam-se como uma forma prestigiada de conhecimento que permite prever, com muita segurança, acontecimentos naturais. Isso decorre, segundo a análise de Thomas Kuhn, do fato de que tais áreas alcançaram um estágio paradigmático. Um paradigma científico é um modelo, um padrão de racionalidade suficientemente estável e, portanto, capaz de demarcar entre o que é, e o que não é ciência.
As Artes estão entre as diferentes formas de linguagens e dialogam com todas as outras áreas. Do mesmo modo que há linguagens artísticas e literárias, há linguagens lógicas, linguagens científicas e linguagens filosóficas. Em síntese, todas as áreas do conhecimento podem contribuir para o desenvolvimento da cidadania e do espírito crítico; ou podem permanecer fragmentadas e permitir que visões de mundo obscurantistas e não científicas encontrem espaço nas mentes dos estudantes.
Uma imagem, como aquelas que são produzidas pelas câmeras fotográficas, pode ser somente um processo mecânico descrito pela física. Entretanto, uma fotografia também pode ser uma forma de expressão artística, desde que acompanhada de um conceito e de um objetivo que lhe dê sentido. Nesse processo aquilo que era mecânico e físico torna-se algo humano e, então, dotado de uma mensagem que pode ser interpretada e analisada criticamente.
Como interpretar imagens veiculadas diariamente nas mídias? Primeiro teríamos que escolher algumas imagens, pois são tantas e produzidas em tal velocidade que parecem estar muito além da capacidade humana de interpretá-las. Essas fotografias são obras de arte? Não sei, acredito que não, pois são feitas para serem rapidamente consumidas e substituídas. Por outro lado, elas contêm um sentido humano e simbólico. Apresentamos abaixo um exemplo, não paradigmático, de reflexão crítica.
Dada a multiplicidade de exemplos, e a impossibilidade de tratá-los de modo universal, resolvemos nos deter sobre um único caso: a imagem do Excelentíssimo Presidente Jair Bolsonaro, veiculada no dia 15 de maio de 2021. Nessa imagem, sem reparar em detalhes, vemos o Chefe do Poder Executivo da República participar de uma manifestação do ‘agro’. Manifestação que, em resumo, era a favor dele próprio, mas não importa, pois ele também é ‘pop’. Alguém poderia questionar: ‘qual é o problema de um líder simpatizar consigo mesmo?’ Além disso o mesmo estava rodeado por aqueles que defendem a família e querem conservar suas tradições.
Apenas por coincidência temporal, o mês de maio, além de ser amarelo, é dedicado às mães e às noivas. Tais datas comemorativas pedem demonstrações de amor à família, mas essas não devem fugir do clichê. Não é segredo que o Chefe do Executivo Nacional tem grande afinidade, não somente com um tipo de família e sua configuração tradicional, mas com sua própria família. É evidente que seus partidários, quase sempre, pensam o mesmo.
Não propomos discutir o fenômeno social da família e suas novas configurações. Queremos apenas assinalar o quanto tais imagens são representativas de interesses da classe social historicamente proprietária de terras e gentes.
Diante do conjunto das famílias brasileiras, qual a porcentagem daquelas que estão representados nesse evento? Esse tipo de evento parece defender os interesses de uma parcela muito pequena, mas dotada de grande poder e influência. Todavia, os interesses das famílias pertencentes à oligarquia rural não são os interesses de todos.
Se continuarmos a confundir os interesses dessa classe social com os interesses de toda sociedade, então podemos imaginar uma distopia. Em 2050, se história andar a galope, o ‘agro’ que será mais ‘tech’ e mais ‘pop’ estará melhor ‘armado’. O território estará quase sem gente, e será dividido entre ‘plantations’ de soja e gado (bovino principalmente). Qual será a importância do conhecimento de humanidades ou de ciência? Quase nenhuma, grande parte será decretada futilidade: as humanidades não irão além do que é ‘pop’ e as ciências jamais transcenderão ao que é ‘tech’. A família, a tradição e a propriedade continuarão sagradas, o número dos que cavalgam será menor, mas aumentará o número dos cavalgados.
A melhor forma de descrever essa imagem é pegar carona na garupa linguagem poética de Fernando Pessoa: “Cavalgar é preciso [para alguns]; viver não é preciso [para muitos].
*Adaltro Prochnov Nunes é professor EBTT IFC-Campus Blumenau
**Jairo Demm Junkes é aluno de doutorado do PPG – Filosofia da UFSC, doutor em Filosofia, Membro do Grupo Educação em Debate, professor da Rede Pública Estadual e do Centro Universitário Leonardo Da Vinci