O que se percebe até aqui da CPI da Covid-19
Dr M. Mattedi*
A pressão exercida sobre o Governo Bolsonaro desembocou politicamente na instauração da CPI da Covid-19. CPIs fazem parte da história política recente. E entre as mais conhecidas destacam-se: CPI PC Farias em 1992, que terminou na renúncia do então presidente Fernando Collor; a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do Mensalão em 2005, conhecida como um dos maiores escândalos de corrupção do país; a CPMI dos Correios em 2005; a CPMI dos Bingos 2006; a CPI do Apagão Aéreo 2007; a CPI da Petrobrás 2009 e continuada em 2014. A CPI da Covid-19 apura as ações do governo e do presidente Jair Bolsonaro na gestão da pandemia.
Segundo o Art. 35 do regimento da Câmara Federal, criam-se CPIs para “investigar um fato que seja muito importante para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica ou social do País”. O pedido de instauração de uma CPI no Congresso pode ser feito por um terço dos senadores ou um terço dos deputados federais. As CPIs limitam-se a investigar e, a partir dos resultados dessas investigações, apontar aos órgãos competentes sugestões de planos de ação em relação ao caso abordado. Isto significa que as CPIs não têm poder de punir culpados, afinal a aplicação das leis e, consequente, punição cabe ao Poder Judiciário.
Para serem criadas as CPIs necessitam de um fato determinado e são consideradas direito das minorias parlamentares. Procuram assegurar que o Legislativo cumpra sua função fiscalizatória sem o bloqueio e o constrangimento dos grupos parlamentares majoritários. Neste sentido, as CPIs estabelecem situações nas quais os diferentes blocos de poder e grupos políticos medem forças. Pode-se dizer, assim, que constituem mais processos políticos que jurídicos. Afinal, a busca da verdade é um meio e não um fim da atuação das CPIs. Por isso, na maior parte dos casos se convertem em ajustes de contas políticos entre os poderes Legislativo e Executivo. Mas qual o fato?
O fato que levou a instauração da CPI da Covid-19 foi a gestão do Governo Federal da passagem da pandemia pelo Brasil. A gestão do Governo Bolsonaro da baseou-se em duas estratégias principais: a) a promoção do tratamento precoce com base na cloroquina; b) boicote as políticas de distanciamento social. Este processo combinando, ao mesmo tempo, negacionismo científico, e auxílio emergencial. As consequências deste processo custaram ao Brasil mais de 400 mil mortes, um desemprego sem precedentes e também a exploração política da CPI. Ou seja, o Governo Bolsonaro acabou priorizando ações que trazem retornos políticos imediatos.
Talvez, por isso mesmo, na pesquisa realizada pela Pesquisa XP/Ipespe de 4 a 7 de maio de 2021 as percepções sobre a CPI da Covid-19 sejam ambivalentes. Embora a maioria, 67%, seja da opinião da necessidade de instalação da CPI da Covid, apenas 46% acreditam que ela atingirá seu principal objetivo. Isto acontece porque a postura do Governo Bolsonaro tem sido de descaso no enfrentamento da pandemia. Afinal, contrariando as recomendações de cientistas estas levaram ao agravamento da pandemia no país. O investimento em medicamentos ineficazes, a sabotagem das políticas de distanciamento social e o negacionismo científico teriam intensificado a crise.
Embora, os depoimentos Luiz H. Mandetta, Nelson Teich, Marcelo Queiroga, Antônio Barra Torres e Fábio Wajngarten ainda não tenham revelado nada de novo não existe dúvidas sobre a exploração política. Por isso, talvez, o depoimento mais aguardado foi o do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. É que o ex-ministro tomou decisões inesperadas como, por exemplo, dispensou a defesa da Advocacia Geral da União (AGU) e entregou sua defesa a um advogado particular. Ao mesmo tempo, recusou um cargo na Secretaria Geral da Presidência da República. Por isso, a CPI da Covid-19 tenta criar um pretexto para prender o ex-ministro.
O certo mesmo é que politicamente a CPI da Covid foi instaurada no momento que o Governo Bolsonaro se encontra mais vulnerável. Afinal, a confluência das crises sanitária, econômica e política vem rebaixando progressivamente a popularidade do Presidente Bolsonaro e, ao mesmo tempo, a oposição se articula em torno da candidatura do Lula. Para a base governista o objetivo seria encontrar um fato que possa comprometer o Bolsonaro ou desestabilizar o atual governo. O presidente Bolsonaro reagiu de forma previsível atacando as instituições. Afinal, toda vez que está acuado ele reage atacando a democracia e ameaçando as instituições.
Toda CPI é um espetáculo de ordem política. E quanto maior for a emoção, maiores os holofotes para os membros. Algumas CPIs passaram sem ser notadas, outras mudaram a configuração política brasileira. O fato que a CPI da Covid tenha sido instaurada já é uma conquista para oposição. Se a CPI conseguir responsabilizar o governo federal pela promoção de aglomerações, uso de tratamentos ineficazes ou a omissão na compra de vacinas produzirá um grande desgaste na imagem do presidente Bolsonaro. Portanto, a viabilidade eleitoral de Bolsonaro depende da capacidade de controlar os estragos políticos produzidos pela CPI da Covid-19.
*Dr M. Mattedi é professor