100 ANOS DA COMARCA: Resquícios do Contestado


Pedro Ruivo. Foto: Acervo de Fernando Tokarski

Inimigos da época da Guerra, ex-promotor público de Canoinhas não hesitou em atirar contra o lendário Pedro Ruivo

 

A Guerra do Contestado acabou oficialmente em 1916, mas seus resquícios perduram até hoje. Ainda mais em 1920, quando o sangue de caboclos e soldados ainda corria pelas terras contestadas. Nessa época, vivia por Canoinhas, o temido Pedro Ruivo, um dos civis que mais ajudaram as tropas do governo no levante contra os caboclos que reclamavam para si a terra onde viveram desde sempre. Pedro Leão de Carvalho, como havia sido batizado Pedro Ruivo, era protegido do general Setembrino de Carvalho, que comandou as tropas do Governo no combate aos caboclos. A serviço de Setembrino, Pedro Ruivo teria ganhado fama de sanguinário, violento ao extremo no combate aos rebeldes. Dessa forma ganhou muitos inimigos. Um deles foi o promotor público Hortêncio Baptista dos Santos, que denunciou Pedro Ruivo por vários crimes ainda durante a Guerra, em 1915.

Finda a Guerra, no dia 20 de julho de 1920, o destino colocou ambos frente à frente.

A morte de Pedro Ruivo aconteceu diante do “Hotel Wagner”, mais tarde “Hotel Continental”, na rua Vidal Ramos, conforme apurou o historiador Fernando Tokarski, que copiou trechos da sentença judicial que condenou Santos. O processo, assim como boa parte do acervo da Comarca, está arquivado em Florianópolis.

Ele já não era mais promotor de Canoinhas quando foi a julgamento.

Segundo apurou Tokarski, o advogado se hospedava no hotel como “mensalista”. A versão de Santos era de que ao deixar o hotel, encontrou-se com Pedro Ruivo, que de imediato levantou um chicote que trazia a mão. Assustado, Santos sacou de seu revólver e deu um tiro na cabeça de Ruivo, matando-o na hora.

O delegado especial de polícia, João de Deus Ferreira, determinou que o médico Carlos Ickler e o farmacêutico Álvaro Soares Machado fizessem o exame cadavérico, que constatou que o tiro atingiu o rosto de Pedro, a três centímetros do olho esquerdo, fazendo uma trajetória de cima para baixo, atravessando seu corpo e achando-se a bala abaixo da perna, na base da região occipital. A bala tirada foi entregue ao delegado. Ao lado do cadáver, de fato, foi encontrado um chicote.
“Preso em flagrante, Santos alegou que matou Pedro Ruivo em legítima defesa, uma vez que ele o agrediu com um chicote, o conhecido rabo-de-tatu”, relata Tokarski.

 

TESTEMUNHAS

Uma das testemunhas, o jornalista Dartagnan Athaide, disse apenas que pouco antes do ocorrido Pedro Ruivo esteve diante do hotel.

Outro depoente, o fotógrafo Guilherme Glück, morador de Lapa (PR), disse apenas que ouviu dizer que Santos matara Pedro Ruivo e depois viu o cadáver diante do hotel, na rua.
João Sposito, morador de São Mateus do Sul (PR), disse que estava no bar do hotel quando Pedro Ruivo chegou e cumprimentou os frequentadores e que Ruivo saiu imediatamente por outra porta e ao passar em frente à porta do bar, que dava para a rua, recebeu o tiro dado por Santos, que o matou na hora. Disse que não houve troca de palavras entre o acusado e a vítima, nem provocação. Sposito declarou ainda que Santos procedeu “com traição” e que não encontrou arma de espécie alguma com a vítima, a não ser o tal chicote.
Outra testemunha, Max Wagner, o dono do hotel, confirmou que Santos era hóspede e que, quando conversava com Sposito, José Pavão e Virgílio da Silva Rodrigues, viu Pedro Ruivo entrar pela porta da frente. Ele contou que Ruivo cumprimentou as pessoas e logo passou à sala de jantar onde estava Santos e, em seguida, viu Santos entrar pela porta que dava para o bar e que ao fazer isso, virou-se, sacando a arma. Nisso, Pedro Ruivo apareceu e Santos alvejou-o com um disparo, matando-o. Disse que depois disso Santos correu para os fundos do hotel, sendo preso logo em seguida.
A testemunha Virgílio da Silva Rodrigues, morador de Três Barras, confirmou as informações iniciais de Max Wagner, mas acrescentou que quando Santos bruscamente virou o corpo na porta do bar, sacando o revólver disse: “Não venha que eu atiro.” Logo detonou a arma contra Pedro Ruivo, que imediatamente caiu morto.
José Pavão, comerciante de Canoinhas, também deu a versão de Wagner quanto ao início dos fatos. Porém, notou que ao chegar Pedro Ruivo estava com o chicote no cano da bota. Nesse momento, Pavão saiu do hotel, não sem antes cumprimentar Santos, que estava em pé na porta da sala de jantar que dava para a frente do prédio. Pavão seguiu em direção ao armazém de Roberto Ehlke, na rua Coronel Albuquerque. Quando chegou ao armazém, ouviu tiros. Então, Pavão voltou imediatamente e quando se aproximava do hotel viu muita gente e ao chegar notou Pedro Ruivo no chão, bem à frente da porta do bar. Disse que se comentava que Ruivo tinha sido morto por Santos e que alguns populares mais exaltados davam murros nas paredes do hotel e chagavam a disparar alguns tiros para o alto.

O júri acatou a tese de legítima defesa, muito possivelmente levando em conta não os frágeis argumentos de Santos, mas a extensa ficha criminal do lendário Pedro Ruivo.

O promotor público que acusou Santos, no entanto, recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado, que devolveu o processo à primeira instância, determinando novo julgamento.

O novo júri, de fato, ocorreu, mas sua decisão é desconhecida.

 





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