100 ANOS DA COMARCA: O subdelegado que matou seu substituto


Trabalhadores da Lumber, em Três Barras. Foto: brasileducom.blogspot.com.br

Nos tempos em que o coronelismo imperava na comarca, ninguém tinha mais prestígio que o responsável por proteger a lei e a ordem

 

Está longe de ser lenda o poder de influência dos coronéis na comarca de Canoinhas. Intimamente ligados ao poder, eles indicavam e cobravam, inclusive, daqueles responsáveis por defender a lei e a ordem.

Foi assim nos primeiros anos da comarca, quando a presença da Lumber Company no distrito de Três Barras influenciou a Justiça visando deixá-la livre para fazer o que bem entendia.

O maior problema jurídico da Lumber era os processos trabalhistas. Muita gente morria ou tinha partes do corpo amputadas por causa de acidentes de trabalho. “De lá só saíamos quando a madeira acabasse. Se alguém morresse, era jogado em cima do trem e a família tinha que esperar o corte acabar para receber o corpo do defunto”, contou o ex-funcionário da empresa, Orlando Stein, ao jornal Correio do Norte, em entrevista publicada em 2005.

Para se dar bem em todos os processos trabalhistas, a Lumber contava com a ajuda de seu médico, o ilustre Oswaldo de Oliveira que, por muitas vezes, foi nomeado perito legal para avaliação dos ferimentos dos trabalhadores. Como funcionário da empresa, trazido, inclusive, por ela para Canoinhas, normalmente Oswaldo entendia que o funcionário estava apto ao trabalho.

 

PODER

Segundo o pesquisador Alexandre Tomporoski, entre os anos de 1917 e 1920, os trabalhadores da Lumber deflagraram três greves (julho de 1917, março e junho de 1919), e a legislação trabalhista mudou, incumbindo ao subdelegado inúmeras competências que elevaram seu poder dentro da organização dos inquéritos judiciais por acidente de trabalho.

Ainda de acordo com o pesquisador, o subdelegado de Polícia de Três Barras, Theófilo Becker, era aliado dos interesses da Lumber Company.

O subdelegado era quem dava origem ao inquérito, mas a atuação dele em alinhamento com os interesses da Lumber Company transcendia os processos por acidentes de trabalho. “Comumente saciava as possíveis necessidades repressivas da empresa, como no caso das greves deflagradas no ano de 1919, e, muitas vezes, realizava o ‘trabalho sujo’, como sequestro de inimigos da companhia; expulsão de posseiros das terras da empresa ou proteção à empresa e seus aliados”, conta Tomporoski.

Sua substituição em 4 de outubro de 1920 (portanto, há exatos 93 anos) pelo jovem tenente Francisco Arruda Câmara Junior, um forasteiro que não mantinha conexões com as tramas políticas locais e tampouco vivia sob o domínio econômico da Companhia, alarmou a Lumber.

Becker, assim que foi exonerado do cargo de subdelegado, foi contratado pela Lumber para o cargo de chefe de seu corpo de segurança.

 

ASSASSINATO

Menos de um mês ocupando o cargo de sudelegado, Junior foi assassinado por seu antecessor. Trecho do processo crime descoberto por Tomporoski nos arquivos da Comarca armazenados em Florianópolis, mostra como aconteceu o assassinato. “Dia 28 de outubro de 1920, dezenove horas e trinta minutos, a noite tomava conta do território do ex-Contestado. No quartel do destacamento policial de Três Barras, o tenente Francisco Arruda Câmara Junior, um jovem joinvillense recém-nomeado subdelegado de polícia daquele distrito, conversava com três moradores da localidade. O grupo parlamentava a respeito dos últimos acontecimentos que haviam sacudido a vila e colocado em lados opostos a Southern Brazil Lumber and Colonization Company e a força policial local, e sobre como tais fatos reforçavam a evidente inexistência de deferência por parte da população local e das pessoas ligadas àquela empresa, em relação à sua autoridade. Subitamente, os quatro homens perceberam a afluência de um numeroso grupo à porta da subdelegacia e o avanço de alguns integrantes à sala das audiências, onde se encontravam. Uma voz declarou rispidamente: ‘Estou aqui senhor tenente, me prenda agora!’. Ato contínuo, uma mão empunhando um revólver de grosso calibre apareceu ao lado da porta e disparou diversas vezes. O tenente Francisco Arruda Câmara Junior foi atingido por seis projéteis e morreu instantaneamente.”

Nas declarações de José Pacheco, suplente do subdelegado assassinado, há um indício contundente que simbolizava os enfrentamentos que vinham ocorrendo na região. Segundo ele, Becker teria dito que “guri de óculos em Três Barras não se aprumava (…), e que quando o governo soubesse estaria com os óculos quebrados e assim, quando viesse outro haveria de saber andar direito, porque senão aconteceria o mesmo.”

Becker e os demais indiciados foram presos provisoriamente. No entanto, nenhum deles chegou a ser condenado pela Justiça da comarca.





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